Depois de uma pausa natalícia, cá voltamos nós.
E eis que mais um ano chega ao fim. Por tudo o que de mau vivemos no que toca à pandemia, parece-me que, em comparação com o ano passado, estamos tremendamente melhor. Lembram-se quando há um ano ainda só tínhamos a dexametasona como terapêutica bem estabelecida? Pois bem, entretanto tudo mudou. Principalmente com o impacto estrondoso das vacinas (lembro-me bem da surpresa optimista ainda no final de 2020 que senti ao ver aquelas curvas de Kaplan-Meyer a repelirem-se quase magneticamente no artigo do 1º ECA a que tivemos acesso, o da BNT162b2-Pfizer), mas também com todas as outras terapêuticas que têm vindo a surgir. E com isto, o futuro parece sorrir. Não introduzi o texto de hoje com isto por acaso, pois, como poderão ver, a publicação nestas duas semanas de temas covidescos é, além de muita, muita boa. Mas calma que já lá vamos.
Mais 2 RS de ECA no mundo obeso (tentativa de fuga generalizada ao grupo de risco?):
Nada de muito novo, na verdade. No Lancet vimos que os aGLP1 e o Topiramato são os fármacos mais eficazes para perder peso (aGLP1 mais seguros em sub-análise), e no JAMA vislumbrámos um (fraco) sinal de melhoria de várias variáveis de substituição (surrogate markers) com o jejum intermitente (cautela, pois muitas vezes em comparação com um grupo de controlo que pode não ser um de dieta saudável).
Dos ECA:
No que toca ao COVID-19 foram tantos que não cabem nem nos dedos nem no cérebro.
Destaco principalmente: vacinas (nova vacina), vacinas (estratégia de combinar vacinas) e mais vacinas (booster em renotransplantados)!
Doentes de ambulatório: o discordante novo ECA do remdesivir (mesmo acreditando neste ensaio de amostra muito mais reduzida que o SOLIDARITY, continua a ser muito pouco prático fazer 3 dias de remdesivir IV em doentes de ambulatório)
Hospitalizados não-vacinados em fase inicial de doença: o antiviral molnupiravir (aguarda-se publicação do paxlovid) e anti-corpos monoclonais em seronegativos eficazes a prevenir doença grave.
Hospitalizados mais doentes: mais um inibidor da GM-CSF que parece eficaz.
Pós-alta: a controversa e discordante anti-coagulação, neste caso com rivaroxabano.
No mundo cirúrgico, com alguma surpresa, a anestesia regional não diminuiu o dellirium pós-operatório vs. anestesia geral, e um original modelo de educação com vídeos animados aumentou a satisfação dos doentes pós-operados a cirurgias de cabeça e pescoço ( medidas simples e eficazes! )
Na Neurologia, o suplemento com Omega-3 não diminuiu o risco de demência
Destaco ainda o ECA que comparou um modelo de redução de vigilância nocturna dos sinais vitais com cuidados habituais. O outcome primário de redução de dellirium não cruzou a meta definida para estatisticamente significativo, apesar de tendência numérica de redução. Apesar disso, diminuiu a monitorização dos sinais vitais nocturnos sem aumento de transferências para UCI ou Emergências hospitalares, pelo que seguramente aumentará a higiene do sono dos doentes e enfermeiros.
Das Guidelines: Guideline sobre avaliação da prevenção e abordagem de quedas em idosos
Das revisões de estudos observacionais:
A estratégia de limiar de D-Dímero adaptado foi superior à estratégia de limiar fixo na exclusão de TEP
Na área da terapêutica reumatológica, as recomendações de consenso feitas por entidades patrocinadas pela indústria foram discordantes com as recomendações das sociedades médicas.
Dos observacionais:
COVID-19 x10 - Acho difícil não ficar optimista face às novidades recentes
A pergunta do dia é: e a omicron? A carta de pesquisa publicada já quase no final do ano mostra-nos que esta 4ª vaga sul-africana é muito menos grave do que as outras (por exemplo: a mortalidade hospitalar é de apenas 2.7% comparada com >20% das outras vagas).
A efectividade dos boosters vacinais em reduzir doença grave e mortalidade em grupos de risco parece cada vez mais real. Apesar de ainda não termos ECA a estudar este outcome, os vários e largos estudos observacionais publicados neste período apontam todos para esse benefício.
Saliento também um estudo da efectividade vacinal face à variante Delta no Utah. Mesmo nesta variante aparentemente mais grave, a menor efectividade em redução de doença grave encontrada neste coorte foi pouco significativa (~7%).
Nas outras áreas, é tanta coisa que não posso destacar tudo, mas:
O apixabano continua a ter indícios de superioridade face ao rivaroxabano (aguardamos ECA)
O e-cigarette foi eficaz a reduzir o tabagismo mesmo em pessoas que não pretendiam deixar de fumar
O questionário 3D-CAM aplicado de forma generalizada aumentou o diagnóstico de dellirium pós-OP e os principais factores relacionados com analgesia que os doentes pós-OP salientaram foram redução de dor e redução de dependência a fármacos.
Trombectomia poderá vir a ser eficaz em AVC por oclusão da artéria basilar (aguardamos ECA)
Várias demonstrações da utilidade de inteligência artificial em diferentes áreas
Nos artigos de opinião:
Aconselho a leitura dos artigos provocadores de pensamento que vos deixo em baixo sobre COVID-19.
Novidades boas: bem-vindo ao mundo encantado onde um dispositivo de realidade virtual para tratamento de lombalgia crónica foi aprovado pela FDA (com base num ECA do início do ano) e avizinha-se uma vacina mRNA anti-VSR (ECA em curso) !
Na estimulante FOAMed, leiam, vejam e oiçam quem realmente disto sabe (obviamente que não eu).
Atentai e disfrutai, e que a boa-nova da ciência deste renovado ano nos iluminai!
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Ad5-nCov (recombinant adenovirus vaccine) in 18 years and older | Lancet
Heterologous COVID-19 vaccination (Com-COV2 NIT) - The Lancet
Ab 4 wks after Heterologous booster in Kidney Transplant | JAMA IM
Early Remdesivir Progression Prevention to Severe Covid in Outpat | NEJM
Molnupiravir in Nonvaccinated Nonhospitalized Patients | NEJM
nAB for Hospitalized Patients According to Baseline Ag Levels | AIM
Two nAB, sotrovimab and BRII-196 plus BRII-198 (TICO) - The Lancet
Namilumab or infliximab vs SoC, proof of concept (CATALYST) - The Lancet
Rivaroxaban for post-discharge thromboprophylaxis (MICHELLE) - Lancet
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BNT162b2 Booster and Mortality Due to Covid-19 in Israel | NEJM
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Protection of BNT162b2 Booster across Age Groups in Israel | NEJM
Third BNT162b2 Vaccination Neutralization of beta, delta and omicron | NEJM
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