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Foto do escritoresFOAMeados Portugal

Abril de 2024 - #1 Uma cadeira de dois gumes

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula



TABELA DE CONTEÚDOS

 

SINOPSE


🎂 Nata da nata

- ICP e anti-agregantes em idosos --> Menor tempo de anti-agregação dupla e menos risco hemorrágico (JAMA NO)

- Idosos --> Intervenções comunitárias podem ser benéficas, ++ se gestão de medicação e seguimento regular (BMJ)


🍰 Nata

- Vídeolaringoscopia --> Mais uma vez útil, mais uma vez no ETE (VIDLARECO, Anesthesia CC&PM)

- Cadeira no quarto médico --> Mais tempo sentado com doente e melhor sensação de cuidado pelo mesmo (BMJ)

- Obesos adultos/idosos --> Menos tempo sentado...e menor PAS? (JAMA Network Open)

- COVID-19 --> FINALMENTE publicado e confirma-se que nirmatrelvir/ritonavir SEM EFICÁCIA (EPIC-SR, NEJM)

- Tuberculose --> Tratamento preventivo de rifa 20mg/kg por 2 meses pode ser não-inferior (Lancet RM)

- Alergia a alimentos múltipla --> Omalimumab muito eficaz a reduzir sintomas pós-ingestão (OUtMATCH, NEJM)

- Parkinson --> aGLP1 melhora sintomas motores? Hmm...spin na conclusão... (LIXIPARK, NEJM)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: Neoplasia da próstata e diagnóstico

- Primários: FA e risco/benefício de anticoagulação | Intervenções em cardiologia e co-morbilidade | IC, fragilidade e causa de morte | Arterite de células gigantes e diagnóstico | ECAs em oncologia e subgrupos | Raciocínio clínico e IA | Pancreatite necrotizante e drenagem | Desinformação médica e IA | FV refractária e desfibrilhação "dupla"

- Casos e séries: Takayasu e plexopatia braquial | Nódulo "Irmã Maria José"


Opiniões

- Revisão narrativa: Vasculite ANCA-MPO | Síntese rápida da qualidade da prova aKa "Revisão rápida" | POCUS e imagem difícil

- Perspectiva: Avaliação crítica da literatura | Pagamento da indústria nos EUA | Biológicos e risco infeccioso


🌎FOAMed

Monitorização contínua de glicose (Curbsiders) | Tenecteplase vs Alteplase no AVCi (RebelEM) | Pneumotórax e abordagem (RebelEM e TheSGEM) | TEP e Heparina não-fraccionada (RebelEM)


 

REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Cardiovascular

14 ECAs / n= 19.102, PROSPERO, PRISMA, múltiplas bases de dados, até 08/2023

P - Adultos >65 anos + ICP

IC - Anti-agregação dupla por 1, 3, 6 ou 12 meses

O 1º » IGUAL NACE (net adverse clinical events) - 9 ECAs incluídos

2º » Igual MACE - 9 ECAs incluídos

» Menos risco hemorrágico quanto menor tempo - 6 ECAs incluídos

Comentário: Parece-me uma meta-análise resultante dum trabalho bastante intenso e consistente. Os investigadores decidiram ir buscar sistematicamente todos os ECAs de comparação de tempos de anti-agregação dupla pós-ICP que reportaram desfechos em idosos e fizeram meta-análise de várias comparações entre eles. Viram ainda que a heterogeneidade e o risco de viés foram baixos (com excepção para viés de desempenho, já que 9 dos 14 ensaios não tiveram ocultação) e a qualidade dos desfechos foi alta. No final, parece que, e isto tem sido uma tema frequente no blogue, o argumento para usar menos tempo de anti-agregação plaquetária duplo é cada vez mais forte. Num mundo utópico, haveria um ensaio gigante multifactorial a comparar todas as 3 combinações em todos os diferentes intervalos de tempo. Como esse dia provavelmente não chegará, fiquemos com esta segurança para fazer <12 meses.

Conclusão: Na população com mais de 65 anos com indicação para anti-agregação dupla, usar menos que 12 meses parece mais seguro e igualmente eficaz, com potencial destaque para os 1-3 meses.


Geral, Geriatria & Paliativos

129 ECAs / n=74.946, RS e MA em rede, pesquisa em múltiplas plataformas, até 08/2021

P - Idosos (>65A) a viver em casa + Seguimento por pelo menos 6 meses

I - Intervenções comunitárias promotoras de independência

C - Cuidados habituais, Placebo ou Outra intervenção

O » Melhoria dos desfechos, sobretudo com cuidados individualizados, revisão de medicação e seguimento regular

*algumas combinações pioraram funcionalidade (que incluíram exercício)

**muita heterogeneidade e prova de baixa a muito baixa certeza

***inconsistência e fragilidade dos estudos não avaliada pois poucos estudos para cada comparação

Comentário: Boa tentativa, mas não muito convincente, na minha opinião. Neste saco gigante de centenas de estudos e milhares de doentes/pessoas cabe certamente populações e intervenções muito diferentes. A grande conclusão é a de que, no geral, pode haver benefício em intervenções individualizadas e que contemplem revisão da medicação e seguimento regular. Parece-me algo que o nosso bom senso diria assim sem grandes dúvidas. Será meu optimismo irritante achar que este é um denominador comum? Outra coisa que merece ser destacada é que pôr os velhinhos a fazer maratonas até à morte pode não ser a coisa mais sensata do mundo.

Conclusão: Intervenções comunitárias em idosos a viver em casa podem contribuir para melhor funcionalidade e outros desfechos, sobretudo as que contemplam revisão da medicação e seguimento regular.



 

ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Doente crítico/urgente

n=100, (sem ocultação?), Espanha, 2021-2023

Mais um ECA onde vídeolaringoscopia foi eficaz, mais um também na inserção de sonda para ETE em doentes ventilados na UCI. As diferenças absolutas são brutais neste ECA, o que me deixa ligeiramente desconfiado...ainda assim, é mais um de vários.


Geral, Geriatria & Paliativos

n=125 visitas médicas, duplamente-oculto, centro único nos EUA (Texas), 2022-2023

P - Doente hospitalizado

I - Cadeira de frente para doente a <0.9 metros

C - Cadeira no local habitual (gabinete à parte)

O 1º » MAIS médicos sentaram-se na visita médica - 63 vs 8 %, ARA 55% / NNSentar 1.8

2º » Melhoria nos desfechos de satisfação do doente (TAISCH e HCAHPS)

» Igual tempo na sala - 10 minutos reais (percepção de 9min para médico e de 13min para doetne)

Comentário: Original e curioso. Antes de mais, talvez o facto da cadeira estar praticamente escondida no grupoo de controlo explique a grande diferença no desfecho primário (é claro que se um objecto estiver escondido será usado menos vezes...). No entanto, não deixa de ser de enaltecer o esforço dos investigadores para estudar um assunto que poderia não ser fácil com tentativa para controlar o melhor possível a intervenção. Ainda curioso é a diferença de percepção de tempo do médico na sala pelo próprio médico e pelo doente, sendo que o último achou que o médico esteve mais tempo (em abos os grupos). Não nos esqueçamos do que significa para o doente aqueles poucos minutos do dia em que sentem que alguém olha por eles! (embora eu ache que, num mundo de cuidados de auxiliar e enfermagem ideiais, isto também deveria acontecer com estas e não só com a bata branca mágica).

Conclusão: Colocar uma cadeira próxima do doente fez com que o médico se sentasse mais e que o doente ficasse mais satisfeito. Ensaio pequeno e com limitações, mas prova que, pelo menso, podemos tentar melhorar a nossa relação médico-doente com coisas básicas como uma simples sentar em cadeira de frente para o doente.


n=283, não-oculto, 1 centro médico, EUA (Washington), 2019-2022

P - Adultos 60-89A autónomos + IMC 30-50 + Sentados>6h/dia

I - Intervenção multimodal para diminuir tempo sentado - health coach, smartwatch, standing desk, ...

C - Controlo modificado - 10 sessões de health coach menos intensas (1 tópico / sessão) e 1 workbook

O 1º » MENOS tempo sentado » -31min/dia aos 3 meses | -32min/dia aos 6 meses

    2º » Menos PAS » -4mmHg (−7 a −0.28 mmHg), p=.03

Comentário: Nada de muito a dizer. Estudo original e engraçado, não propriamente super robusto pois pequeno, sem ocultação, intervenção difícil de controlar, centro único, etc....mas, e há sempre um mas, não deixa de ser interessante. Interessa-me à partida por estudar uma intervenção facílima de aplicar e totalmente gratuita. Pelos vistos, insistir com o tópico funcionou (sendo difícil de saber qual das várias subintervenções foram mais relevantes) e até parece diminuir a pressão arterial sistólica. Será mesmo? Tenho mais dúvidas quanto a isto. Mas não deixo de achar hipoteticamente bom que as pessoas tenham menos meia hora de tempo sentado por dia.

Conclusão: Intervenção multimodal para diminuir tempo sentado em adultos obesos e com pelo menos cerca de metade do dia vígil sentados diminuiu esse tempo em 30min/dia e pode ter diminuído a pressão arterial sistólica


Imuno-mediadas

n=180 (462 rastreados), duplamente-oculto (incl. investigadores), multicêntrico nos EUA, 2019-2023

P - 1 a 55 anos + Alergia a múltiplos alimentos incl. amendoim (<100mg amendoim + <300mg de >1 alimento)

I - Omalimumab SC cada 2-4 semanas por 16 a 20 semanas

C - Placebo SC cada 2-4 semanas por 16 a 20 semanas

O 1º » MAIS doentes sem reacção a 600mg de amendoim - 67 vs 7 %, RRA 60% / NNT 1.7

2º » Mais doentes sem reacção a 1g de caju, leite ou ovo

Comentário: Nao consigo ver além do resumo (deixei passar aqueles dias sagrados do NEJM...) pelo que não percebo se isto é mais de crianças ou adultos. Imagino que mais de crianças, mas como vai até aos 55 anos e pode ser modificador de prática, aqui trouxe. Bem, parece um ECA mais ou menos linear visto só através do resumo...é por isso que é importante desconfiar! Quando a esmola é grande...enfim, sem entrar em cepticismo niilista, só tenho a dizer que, sendo verdade esta redução brutal de sintomas alérgicos depois de tratamento com omalimumab, um anticorpo monoclonal anti-IgE, seria óptimo para estes doentes. Parece que o seguimento vai continuar e parar em 2026, pelo que em 2 anos teremos mais novidades.

Conclusão: Doentes dos 1 aos 55 anos com alergia a pelo menos 3 alimentos onde se inclui alergia a amendoim tiveram uma redução brutal de alergia - NNT de 1.7 - com omalizumab, um anticorpo monoclonal anti-IgE.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=1.288, quadruplamente-oculto, multicêntrico e intercontinental em >200 centros, 2021

P - COVID-19 e sintomas <5d + Ambulatório + Vacinado ou Não-vacinado e sem factor de risco

Basal: 57% vacinados | 74% c/ Ig-SARSCOV2 | 49% factor de risco | 48% sintomas moderados > 30% ligeira > 19% grave | ~42 anos | IMC~25 | 5% c/ HTA ou DM2

I - Nirmatrelvir–ritonavir bid por 5 dias

C - Placebo bid por 5 dias

O 1º » IGUAL tempo para alívio de sintomas - 13 a 14 dias

    2º » Igual hospitalização (1%), admissão em UCI (0%) e morte (0%) aos 28 dias

» Iguais EAs - 24 a 25 %

Comentário: FINALMENTE publicado depois de mais de 2 anos passados desde a "comunicação de imprensa" algo envergonhada da Pfizer em que admitia que este ensaio em doentes vacinados (ou não-vacinados e de baixo-risco) não tinha sido eficaz. Por alguma razão, demorou este tempo todo a ser publicado. Por outra qualquer razão, a comunidade médica decidiu ignorar os resultados e o chamado "paxlovid" continuou a ser apregoado e vendido aos 7 cantos da terra. Pode-se contra-argumentar que o ensaio poderia ter mais doentes de risco, pois foi, de facto, uma população muito saudável...por outro lado, não houve nenhuma selecção específica de população saudável a não ser dentro dos não-vacinados. Ou seja, isto representa a esmagadora maioria da população geral com COVID-19 em 2021. Hoje, estaríamos provavelmente ainda mais protegidos, possivelmente com anticorpos em quase 100%. Acho que não preciso de comentar muito mais sobre como nos deixámos comer pela Pfizer. Atenção, esta farmacêutica foi importantíssima na fase inicial da pandemia, as vacinas foram reais gamechangers. Depois disso, entrou numa lógica de ultramaximização de lucros através de boosters infinitos e antivirais não eficazes mas bem vendidos à malta. E nem a culpo directamente, ela faz o seu papel de gerar lucro. Pior é mesmo a comunidade médica deixar-se iludir, seja por verdadeira ingenuidade (quero acreditar muito que foi isto) ou outras motivações.

Conclusão: Nitrelmavir/ritonavir (paxlovid) não foi eficaz no COVID-19 em ambulatório com >50% de vacinados.


n=1376, NIT, mITT, parcialmente oculto, 7 centros universitários no Canadá / Indonésia / Vietname, 2019-2022

P - >10A + Indicação para tratamento preventivo de tuberculose + Teste de tuberculina / IGRA positivo

I1 - Rifampicina 30mg/kg por 2 meses

I2 - Rifampicina 20mg/kg por 2 meses

C - Rifampicina 10mg/kg por 4 meses

O 1º » MAIS EAs com I1 | IGUAIS EAs com I2

» MENOS conclusão de tratamento com I1 (-15%) e com I2 (-8%)

2º » Mais hepatoxicidade de grau 3? (1% vs <1% vs 0%)

Comentário: "Shorter is better...with exceptions" é um dos motes do site do Brad Spellberg, sendo uma das excepções a tuberculose. E a excepção não parece fugir totalmente à regra, embora com nuances. Neste ensaio para tratamento preventivo de tuberculose, rifampicina por 2 meses com dose elevada foi claramente inferior. Quanto à dose média de 20/kg...difícil de perceber. Não parece ter havido mais eventos adversos mas houve menos doentes a completar o tratamento, o que nos deixa desconfiados. Finalmente, sem desfecho de eficácia é difícil agregar todas estas nuances e perceber qual a real vantagem destes tratamentos. Ficará para o futuro com a dose 20mg/kg?

Conclusão: Tratamento preventivo de tuberculose com rifampicina por 2 meses poderá ser não-inferior desde que dose inferior a 20mg/kg. Incerteza quanto à eficácia.


Neurologia

n=156, NIT c/ ITT e PPA, duplamente-oculto, multicêntrico em França, fase 2, 2018-2021

P - D. de Parkinson precoce

I - Lixisenatida (aGLP1)

C - Placebo

O 1º » Melhoria nos sintomas motores aos 12M ? » -0.4 vs +3.04 na escala MDS-UPRDS III (0-132...)

2º » Melhoria nos sintomas motores após 2M de washout? » 18/132 vs 21/132 na MDS-UPRDS III (ligeiro se <32...)

» Mais EAs - Náuseas e vómitos em 46 e 13 % de I, respectivamente

Comentário: A conclusão diz que o lixisenatide, um agonista GLP-1, resultou em "menor progressão de disfunção motora". Diferença de 3 pontos numa escala de 0 a 132 (2% de diferença) é mesmo "menor progressão?? Concordam? Obrigado, NEJM, por contribuires, mais uma vez, para o mal do spin na literatura médica.

Conclusão: Em doentes com Parkinson precoce / ligeiro, um agonista GLP1 (lixisenatide) não causou diferença clinicamente relevante nos sintomas motores e causou mais eventos adversos.


 

ESTUDOS OBSERVACIONAIS

REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Oncologia

72 estudos / n=36.366, PRISMA, múltiplas bases de dados, até 07/2022

As biópsias prostáticas poderiam ser reduzidas em quase metade se apenas se fizesse biópsia em PI-RADS 4 ou 5 e elevada PSAD (densidade do PSA = >0.10-0.15), pois só estes se relacionam com carcinoma da próstata, segundo esta RS de dezenas de estudos.

 

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n=7933, subanálise de ECAs (12), aVK vs Placebo/Antiplaquetários, CHADVASC apenas vs com morte ajustada

Nunca nos podemos esquecer que os modelos de estimativa de eficácia, na sua grande maioria, sobrestimam-na. O modelo "CHADVASC" (sim, acho que muitas vezes nos esquecemos que baseamos muitas das nossas decisões em modelos) não foge à regra e este estudo vem reforçá-lo. Quando os investigadores acrescentaram um ajustamento ao risco de mortalidade com evolução não-linear, chegaram à observação de que a redução de risco absoluta de AVC ou embolia sistémica é menor do que apenas calcular o CHADVASC, como habitualmente fazemos. E isto torna-se particularmente relevante para os percentis de menor esperança média de vida, onde a anticoagulação parece que se torna desvantajosa neste estudo. Não nos esqueçamos de reflectir sobre o doente que temos à frente para além do que o MedCalc ou a tabela da guideline nos diz.


n=29.954, subanálise de ECAs (8), intervenção vs controlo, utilização da escala de Charlson

No seguimento da tese do estudo anterior, continuamos com a verificação da diferença do ensaio clínico para a prática. Na grande maioria dos ensaios, a média dos doentes tinham 4 na escala de co-morbilidade de Charlson e apenas uma minoria (3 a 39 %) tinha de 5 para cima. Basta usarem a escala umas poucas vezes com os vossos doentes para verem que isto é uma grande minoria dos nossos doentes. Mais importante ainda, observaram interacção entre essa clasificação e o efeito do tratamento em 1/3 dos ensaios. Por exemplo, no AFFIRM (controlo de ritmo vs frequência), observou-se claro malefício nos doentes com maior valor na escala de Charlson, i. e. com mais co-morbilidade. O mundo é mais do que o que parece!


n=1181, coorte prospectiva (FRAGILE-HF), adultos >65 anos hospitalizados c/ IC, 15 hospitais do Japão, 2016-2018

Para fechar esta tríade pós-pascal, mais um estudo que nos alerta para a diferença do ensaio para a prática. Embora não seja uma conclusão nada extraordinária, acho importante trazer os resultados deste estudo para reflexão. Nesta coorte (idade média de 81 anos), observou-se haver um grande grau de fragilidade. Nada de novo. Mais relevante, verificou-se que, sobretudo para maior fragilidade, as causas de morte são sobretudo não-cardiovasculares e, dentro das cardiovasculares, sobretudo por causas extra-IC. E daí pergunteis vós, qual a novidade? A não novidade é que usamos fármacos como sacubitril/valsartan na ICFEr ou iSGLT2 na ICFEp com base em eficácia em desfechos que, na prática, provavelmente não serão os mais relevantes. Não nos esqueçamos disto.


Diagnóstico e Raciocínio Clínico

n=20 casos / 39 médicos (21 assistentes e 18 internos) vs ChatGPT4, inquérito, 2023

Mais um estudo original sobre raciocínio clínico e inteligência artificial co-autorado pelo Adam Rodman. Desta feita, deicidiram comparar um esquema de diagnóstico e diagnóstico diferencial feito por médico ou chatGPT4 e avaliar o desfecho de "raciocínio clínico" avaliado por uma escala de 10 pontos (que não conhecia mas pelos vistos validada) para o efeito, Revised-IDEA (R-IDEA). Os médicos assistentes tiveram a mesma pontuação que o chatGPT4 (9) e os internos 1 ponto a menos (8), sendo relevante dizer que essa classificação foi feita por avaliadores que não sabiam a que grupo pertencia cada um. Aliás, parece que o chatGPT4 teve a maior probabilidade de pontuação máxima nessa escala. Na maioria dos outros desfechos, o chatGPT4 foi equivalente, com um pouco mais de erros de raciocínio clínico. O que consigo retirar disto é que o GPT4 parece conseguir atingir o pior e o melhor da mestria diagnóstica, e seremos nós a ter de domar este pequeno mustangue prodígio.


Doente crítico/urgente

Acho que já muitos terão ouvido falar ou até lido o DOSE-VF, o ECA publicado em 2021/2022 no NEJM onde, finalmente, ficou provado que a desfibrilhação sequencial em 2 vectores diferentes na fibrilhação ventricular refractária (depois de 3 desfibrilhações) melhorou os desfechos de uma situação já de si catastrófica. Muito se continua a debater, incluindo sobre o intervalo entre os 2 choques nos 2 diferentes vectores da desfibrilhação sequencial. Neste estudo, intervalo >75ms associou-se a piores desfechos. Se isto for verdade, deveremos fazer os 2 choques em quase simultâneo? Não sei muito bem como isso será possível, mas o Scott Weingart acha que sim.


Gastroenterologia & Hepatologia

n=88 de 104, subanálise do ECA POINTER (NEJM 2021), seguimento até 51 meses

Neste seguimento alargado até >4 anos do POINTER, em que se provou que se podia evitar drenagem imediata em cerca de 1/3 dos doentes, mantém-se que grande parte dos doentes livrou-se desta intervenção invasiva. Curiosamente, e isto é provavelmente apenas "sinal/acaso", morreram 2 doentes no grupo de drenagem imediata e zero doentes no grupo sem drenagem imediata. Mais um dado a favor de less is more, cada vez mais em voga na pancreatite aguda.


IA

n=4 modelos de linguagem natural (GPT4, Gemini, Claude 2, Lama 2), coorte transversal, 09/2023

Estes investigadores testaram a capacidade de os modelos de linguagem natural mais famosos gerarem desinformação médica sobre cancro - dieta alcalina como cura e protector solar como causador de cancro (sendo o 2º um tema mais controverso, mas não vou entrar por aí). Concluíram que, apesar de alguns mecanismos para evitar o que eles chamam de desinformação, a capacidade de "quebrar" (jailbreaking) esses mecanismos é bastante acessível, à excepção, talvez, do chatGPT-4 acedido pelo CoPilot ao invés de pela OpenAI (embora após 12 semanas tenham conseguido...porquê?). Tema muito complexo, mas convém termos noção da exímia capacidade destes modelos de gerar linguagem, seja para o bem ou para o mal (qual a criação humana que não pode ser usada para o mal??).


Imuno-mediadas

n=229 (84 vs 145), coorte prospectiva, 7 centros europeus (Itália, Países Baixos, Espanha e Reino Unido), 2019-2022

Estudo prospectivo e multicêntrico que tentou combinar um modelo de diagnóstico já existente (SGCAPS), que combina dados demográficos com clínicos e laboratoriais com excelente sensibilidade (96%) e boa especificidade (87%), com achados ecográficos. Observaram que o "halo count" (contagem do sinal de halo em vários segmentos arteriais) combinado com o SGCAPscore atingiram a melhor discriminação diagnóstica (C-estatística 0.969), que juntos foram o "HAS-GCA score". Se futuramente validado, poderá ser mais uma facilitador deste diagnóstico.


Meta-investigação & MBE

n=785 ensaios oncológicos de fase 3, estudo transversal, extracção do ClinicalTrials.gov, 2004-2020

Impressionante. Destes quase 800 ECAs de fase 3, cerca de metade arriscou anunciar análise particular de subgrupos, apesar de apenas 0.3% (1 ensaio) ter feito ajuste para múltiplos testes (ou seja, nós sabemos, e existem vários trabalhos a demonstrá-lo, que os resultados de estudos observacionais, onde se incluem, na verdade, análises de subgrupos, são variáveis consoante a diferente análise estatística utilizada ; uma forma de controlar esse factor é fazer vários testes para a mesma comparação e verificar se há diferença). É por coisas como esta que o ensino de epidemiologia clínica e medicina baseada na prova deveria fazer parte do currículo fundacional de qualquer programa de ensino para médicos clínicos, aqueles que mais utilizarão os resultados de ECAs, muitas vezes sem sabendo muito do que está implicado.

 

CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS

Dermatologia

O famoso nódulo "sister mary joseph", cuja associação com neoplasia maligna visceral foi descoberta / teorizada no final do século XX (!!) por uma freira católica enfermeira no hospital estaduniense. Vejam.


Imuno-mediadas

Pela primeira vez reportado segundo os autores.

 

OPINIÃO

REVISÃO NARRATIVA

Diagnóstico e Raciocínio Clínico

Revisão sobre o que fazer nos doentes de imagem difícil, representando a UCI o apogeu dessa dificuldade.


Imuno-mediadas

Este é o único da recente série do Lancet Rheumatology que se encontra (à data em que escrevo) disponível em acesso livre. Não é só por isso que vale a pena, acho que faz uma boa revisão global das vasculites ANCA, concentrando-se nas MPO-ANCA (mas vai fazendo paralelismo com PR3-ANCA).


Meta-investigação & MBE

Na edição passada trouxe-vos 2 artigos também do BMJ-EBM sobre esta nova modalidade de fazer revisões rápidas baseadas na melhor prova existente (ou, pelo menos, tentativa...). Este artigo da mesma série de artigos no tema fala menos sobre quando e porquê fazer e mais sobre como fazer.

 

PERSPECTIVA

Imuno-mediadas

Grupo de infecciologia do CHUSA (Santo António do Porto) respondeu à revisão prévia sobre hidradenite supurativa para que não se esqueça o rastreio de doenças infecciosas. Vem com brinde de tabela resumo.


Meta-investigação & MBE

Improving Your Critical Appraisal Skills 1 | Sensible Medicine - Adam Cifu

Nova rúbrica do grande Adam Cifu, co-autor de vários livros importante e pioneiro na criação de uma cadeira / curso na sua faculdade de avaliação crítica. Agora que abandonou essa pasta depois de muitos anos, virou-se para o substack.


Isto é mais relevante para a realidade estaduniense, mas, como são tão influenciados por esta realidade (seja a nível médico ou não). acho importante reflectirmos sobre ela. Em termos relativos até pode ser semelhante a nós.


 

FOAMed


Doente crítico/urgente

Aspiração simples não-inferior e mais segura que dreno...mas falhou mais vezes. Não compararam com "catéter pigtail", sendo que já existem alguns estudos pequenos a comparar com essa estratégia. Teria sido mais apropriado, talvez, comparar os três.


Se a trombólise por si só é boa ou não no AVC, é toda uma outra questão. Assumindo que o é e nos doentes com indicação, tenecteplase (0.25mg/kg) pode ser uma estratégia (...mas também alteplase em dose reduzida...?).


Neste estudo de centro único aqui dissecado, a maioria dos doentes em que foi administrada heparina não fraccionada esteve fora de janela terapêutica nas primeiras 48 horas!...se os achados são reais, se problema é a dose que usamos ou usar mais outro anticoagulante são perguntas sem resposta.


Endocrinologia

Embora eu me mantenho algo céptico destes sistemas de monitorização contínua de glicose (em parte por viés, admito, de más experiências em que doentes sobreutilizaram esta ferramente criando um loop de ansiedade e descontrolo), os ECAs, segundo me lembram, parecem mostrar que a hipoglicémia é reduzida. Além disso, é útil relembramos a melhor forma de lidar com coisas como hipoglicémia nocturna, pós-prandial e "overbasalization".


 

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