ARA - Aumento de Risco Absoluto | ECA - Ensaio clínico aleatorizado | ITA - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática
SINOPSE
RS de ECAs
Menos é mais na anestesia pré-redução de luxação anterior do ombro.
ECAs
Menos é no mínimo igual na ablação de FA persistente, na fluvoxamina e treino olfactório no COVID-19. Como e quando descontinuar imunossupressores na D. Crohn, budesonida nasal na nefropatia IgA melhora a função renal sem aumentar as infecções (ao contrário dos corticóides sistémicos), próbiótico eficaz em descolonizar a nossa flora de staph. aureus, conversas sobre doença grave e terminal aumentam a qualidade do cuidado médico, radioterapia estereotáctica para carcinoma da próstata guiada por RM melhor que porTC e, finalmente, 3 modelos de treino com ajuda de simulação melhoram a aprendizagem (sem ser a panaceia para todos os males...), nomeadamente entubação com fibra óptica eco-guiado, cricoidectomia eco-guiado e ETE (...eco-baseado...)
Normas
Normas sobre hipercalcémia humoral maligna, fungos e abordagem de DM2 na DRC.
Observacionais
Altas directamente da UCI seguras, cálcio ev não útil nas PCR com AESP nem sequer se ECG suspeito de hiperK ou isquémia, nitroglicerina em infusão segura no SCAPE, hs-Tn negativa às 6h eficaz a excluir SCA nos não-baixo-risco, lidocaína melhor que amiodarona nas PCR por FV/TV, fenobarbital melhor que benzodiazepina na abstinência alcoólica, tratamento conservador de dispositivos cardiovasculares electrónicos implantados bastante satisfatória e segura mas ainda não igualmente eficaz, transformador de linguagem de implantação endovascular potencialmente revolucionário e TC-multicorte de nova geração para exclusão de HSA com sensibilidade 100% até às 24-48h (classicamente conceito de só até às 6h).
Opinião
Duas revisões quase simultâneas em journais diferentes sobre enxaqueca, vacina mRNA anti-influenza vem aí, lecanemab com dados preocupantes de segurança e mesmo assim aprovado pela FDA, o top do Tools for Practice 2022, o mito da nefrotoxicidade da piperacilina/tazobactam e como gerir dellirium no hospital.
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REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs
Cirurgia, Ortopedia & MFR
12 ECAs, n=630
P - Reduções de luxação anterior do ombro aguda no SU
I - Lidocaína intra-articular
C - Sedação endovenosa
O » IGUAL sucesso na redução - RR 0.93, IC 95% 0.86-1.01, I2=69%
Menos EAs e tempo em SU
Iguais dor pós-analgesia e facilidade de redução
Comentário: Para (não) variar a tendência da prova recente, less is more e shorter is better. Bom.
ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS
Cardiovascular
n=338, multicêntrico em 11 centros de 3 países (Austrália, Canadá, RU), 2018-2021
Acrescentar isolamento da parede auricular posterior ao isolamento da veia pulmonar não foi superior ao habitual isolamento isolado da veia pulmonar. É assim, aleatorizar e testar para a uma verdade chegar.
COVID-19
n=1288 (de 1331), duplamente-oculto, 91 centros dos EUA, 2021-2022
Fluvoxamina NÃO FOI eficaz em melhorar os sintomas de COVID-19 ligeiro-moderado tratado em ambulatório…surpresas? Enfim, já não tenho energia para comentar este tópico.
n=275, ocultação singular, EUA (Washington)
Treino olfatório NÃO FOI eficaz quando comparado com placebo, pois o olfato regressa por si só. Excelente exemplo de como aleatorizar e controlar com placebo é essencial para testar intervenções. Ainda mais curioso foi que não foi possível manter a ocultação no grupo placebo (o que poderá ter enviesado os resultados a favor da intervenção) e este mesmo assim melhorou.
Doente crítico/urgente
n=24, centro único no Canadá (Toronto)
P - Internos de anestesia a treinar entubação com fibra óptica
I - Treino de alta-fidelidade (simulador)
C - Treino de baixa-fidelidade (bloco de madeira)
O 1º » MAIS rapidez de aprendizagem com alta-fidelidade
2º » Menor tempo médio de treino com alta-fidelidade
» Iguais desfechos nas entubações em doente 4 meses depois
Comentário: Acho sempre positivamente engraçado ver diferentes formas de aprendizagem a serem testadas em ECA. Parabéns aos autores! Neste caso, o simulador parece ser ligeiramente melhor, mas o clássico bloco de madeira também não ficou mal na fotografia.
Gastroenterologia & Hepatologia
n=207 (211 aleat., 254 rastr.), NIT e Sup, ITT, não-oculto, 64 centros de Europa e Austrália, ‘15-’19
P - DC + Infliximab e Imunossupressivo (tiopurina ou MTX) há >8M + Corticóide há >6M
I1 - Descontinuar Infliximab
I2 - Descontinuar Imunossupressor
C - Manter ambos
O 1º » MAIOR recidiva em I1 vs I2/C | IGUAL recidiva em I2 vs C → 35 vs 9 vs 12 %
» NÃO-INFERIOR tempo em remissão aos 2A → 684 vs 706 vs 698 dias (MI 35d)
2º » Maioria com remissão depois de re-iniciar tratamento
» Iguais EAs …numericamente melhor em I1 e ainda melhor em I2…
Comentário: Parecendo que não, este ECA dá-nos várias informações. Em primeiro lugar, a conclusão mais óbvia de que descontinuar imunossupressor é melhor e mais cauteloso que descontinuar infliximab. Em segundo lugar, mesmo no grupo que descontinuou infliximab, o tempo em remissão aos 2 anos não foi assim tão diferente (-14 e -21 dias que os outros, inferior à margem de -35 dias) e o re-início de tratamento atingiu remissão na grande maioria dos casos (22 das 23 recidivas). Por último, manter o tratamento também não causou grandes efeitos adversos (mas este formato e a pequena amostra podem não ser a melhor forma de o avaliar) e descontinuar o imunossupressivo foi que causou menos EAs.
Concluindo: Pensando em descontinuar terapia depois de pelo menos 8 meses de tratamento e 6 meses livres de corticosteróides, descontinuar imunossupressivo parece superior e seguro. ECA de pequena dimensão, pelo que é preciso cautela com conclusões definitivas.
Geral, Geriatria & Paliativos
n=20.506 (41.021 encontros), escalonado (stepped-wedge), 9 centros grandes dos EUA, 2019-2020
P - Doentes oncológicos
I - Emails com base em predição de mortalidade a 6M
C - Habitual
O 1º » MAIS conversas sobre doença grave - 1 vs 4 %
* principalmente se risco-elevado - 3 vs 14 %
O 2º » Menos terapia sistémica em fim-de-vida - 7.5 vs 10.4 %
» Iguais dias de internamento, dias em UCI e mortalidade hospitalar
Comentário: A utilização deste sistema de prognosticação e informação ao médico com base em sistema de machine learning foi eficaz em alertar o médico para o mau prognóstico, diminuindo até terapias fúteis em fim-de-vida. Apesar dos desfechos mais direcionados ao doente terem sido estatisticamente iguais, parece haver uma tendência numérica para benefício com intervenção. Mesmo que na prática não tenhamos estas ferramentas futuristas, serve de alerta interno para não nos esquecermos de ter pensar no prognóstico e ter estas conversas com os nossos doentes!
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=115, duplamente-oculto, 1 centro da Tailândia (Songkhla)
P - Colonização SA (fecal ou nasal) + sem d. intestinal, internamento ou abt recentes
I - Bacillus subtilis 250mg qd por 30d
C - Placebo
O 1º » Esmagadora redução de colonização - ↓78% fecal e ↓50% nasal
2º » Sem grandes alterações no microbioma
» Sem EAs graves e iguais EAs moderados
Comentário: Incrível! Isto precisará de ser recriado numa população mais parecida com a nossa, e de preferência com desfechos orientados ao doente, mas é fascinante como um probiótico conseguiu praticamente eliminar a colonização por staphylococcus aureus. Como grande limitação, não é mencionada a percentagem de staphylococcus aureus resistente à meticilina (nem antes nem depois), esse sim o colonizador que mais nos preocupa.
Nefrologia
n=199, multicêntrico em 112 centros de 20 países
P - Nefropatia IgA + Proteinúria + TFGe 35-90 + iECA/ARA2 titulado
I - Budesonida 16mg qd por 9M
C - Placebo
O 1º » MENOS proteinúria - ↓31 vs ↓5 % aos 9M
2º » Menor redução de TFGe - ↓0.17 vs ↓4.04 ml/min/1.73m2 aos 9M
» Maior descontinuação (HT, edema, espasmos, acne) - 9 vs 1 %
» Mais EAs graves (que foram?) - 4 vs 1 %
» Iguais infecções - 39 vs 41 %
Comentário: Até aqui, a utilização de corticóides na nefropatia IgA era controversa. Os ensaios tinham na generalidade demonstrado eficácia em atrasar a progressão da doença renal, mas sempre à custa de muitos efeitos adversos, sobretudo infecções. Esta nova utilização de budesonido de libertação intestinal parece manter a eficácia já sem o problema das infecções. Gostaria de saber que EAs graves foram estas e, acima de tudo, como se comportará este fármaco numa população de NIgA sob iSGLT2, o novo fármaco-revolução (e, já agora, no futuro também finerenona?).
Técnicas, POCUS, Exames & Outros
n=156, não-oculto, centro único dos EUA (California), 2020-2021
P - Adenocarcinoma prostático localizado (N0M0) sujeitos a RT-estereotáctica
I - Guiada por RM
C - Guiada por TC
O 1º » MENOS EAs génito-urinários - 24 vs 43 %
O 2º » Menos EAs gastrointestinais - 0 vs 11 %
Menos aumento de sintomas (IPSS)
Melhor qualidade de vida (EPIC-26)
Comentário: Clara vantagem de segurança (e até de eficácia) em usar radioterapia estereotáctica guiada por ressonância magnética. Sempre nos disseram, para região pélvica a RM é a chave!
n=42, randomized simulation model, Canadá (Toronto)
P - Internos de anestesia e modelo à base de porco
I - Cricotiroidectomia eco-guiada
C - Cricotiroidectomia
O 1º » MENOR comprimento de incisão vertical - 35 vs 65 mm
2º » Maior tempo para manobra - 200 vs 93 seg
» Iguais lesão tecidular e tubo bem posicionado
Ensaio mesmo muito engraçado. São coisas destas que precisamos. Se temos ferramentas à mão, que aleatorizemos, que as usemos e que as testemos!! Sobre o objecto de teste em si, continuam a sobrar dúvidas sobre se “sim” ou “não”, mas temos sem dúvida mais informação sobre o mesmo que não tínhamos antes.
n=324, multicêntrico em 42 centros de França, 2020-2021
P - Internos de cardiologia a treinar ETE
I - Com simulador
C - Sem simulador
O 1º » MELHOR score teórico - 47 vs 38 %
» MELHOR teste prático - 75 vs 59 %
* análise subgrupo: melhor resultado quanto mais novo o interno!
2º » Menor duração de ETE - 8 vs 9 min
» Mais confiança no ETE - 3 vs 2 score 0-5
Comentário: Isto este mês/semana é mesmo a leva da simulação! Prevejo que daqui em diante vamos ver cada vez mais ensaios como este, sendo que este especificamente é já um multicêntrico em larga escala e em vários centros, pelo que estamos aqui para brincadeira. Simulador eficaz em todos os desfechos estudados, fácil. Brincamos!
NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES
Endocrinologia
Norma sobre o tratamento de hipercalcémia humoral maligna bem fresquinha. Recomendações:
Hidratação EV, bisfosfonato EV ou denosumab (R forte, CdE muito baixa)
…sugere-se Dmab vs BF para HiperCa aguda (R condicional, CdE muito baixa)
HiperCa grave: Ca(S)>14 mg/dL → Calcitonina + BF ou Dmab (R condicional,CdE muito baixa)
HiperCa refratária ou recorrente → Dmab (R condicional, CdE muito baixa)
HiperCa grave c/ hiperVitD → Corticóides + BF ou Dmab (R condicional, CdE muito baixa)
Carcinoma da paratiróide → terapia calcimimética e/ou antirreabsortiva, dependendo da gravidade e do tratamento inicial (recomendação condicional, CdE muito baixa)
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Como o próprio nome diz, a lista de fungos prioritários da OMS.
Nefrologia
Além das pequenas mudanças estéticas e afins, duas/três mudanças em relação à guideline de 2020:
iSGLT2
Limiar de TFGe reduzido para 20ml/min/1.73m2
Manter independentemente da TFGe até intolerância ou diálise
ARM
Não-esteróides (finerenona) → se iERA titulado, TFGe>25, albuminúria e normoK
Esteróides → apenas para IC, HTA e Hiperaldosteronismo (...mas hiperK e ↓TFGe)
aGLP1 → se DRC, DM2 e Obesidade
Nada de muito novo...
ESTUDOS OBSERVACIONAIS
RS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECAs)
Doente crítico/urgente
3 estudos na MA (de 6 incluídos na RS), n=49.376, propensity score
Desfechos de mortalidade e readmissões iguaizinhos entre os que tiveram alta directamente da UCI. A grande maioria são doentes com complicações de diabetes (~30%), intoxicação (~30%) e pneumonia (~15%). Não consegui encontrar o tempo médio de internamento, pois fico com muitas dúvidas se, ainda assim, os doentes terão ficado demasiado tempo na UCI, o que apesar de ser eventualmente equivalente quando falamos de desfechos duros, é certamente mais caro e pode ter outras desvantagens não estudadas.
SUB-ANÁLISES DE ECAs
Doente crítico/urgente
Já sabíamos que cálcio endovenoso foi inútil em PCR extra-hospitalares com AESP no COCA trial. Agora, sabemos que é inútil mesmo nos com características de hiperK ou isquémia no ECG !!
COORTE, CASO-CONTROLO & COORTE TRANSVERSAL
Cardiovascular
n=67, retrospectivo, EUA (Baltimore)
Infusão de 100-200ug/min nitroglicerina parece seguro e eficaz. Estudo com muitas limitações, mas fica a porta aberta para um prospectivo e idealmente um ECA a comparar com bólus.
n=1187, estudo retrospectivo, multicêntrico nos EUA (Washington)
Nos doentes com hs-TnI sem critério de exclusão rápida (3ng/L < - > 99º percentil superior), a exclusão de SCA se hs-TnI abaixo do 99º percentil superior às 6h foi segura e eficaz.
Cirurgia, Ortopedia & MFR
n=278, retrospectivo, 40 centros de 15 países da Europa, 2000-2010
Hemicolectomia não foi associada a melhores desfechos, pelo que neste caso parece uma cirurgia fútil além da apendicectomia. Segunda cirurgia para revisão de gânglios também não.
Doente crítico/urgente
n=14.630, propensity score, retrospectivo, registo dos EUA
Em PCR por TV/FV intra-hospitalar que foram sujeitos a desfibrilhação, a utilização de lidocaína pareceu associada a melhores desfechos que amiodarona. Várias limitações, mas dá que pensar.
n=13.000, estudo retrospectivo multicêntrico, UCIs dos EUA
Parece que os hospitais que adoptaram uma estratégia de tratamento de abstinência alcoólica (substituindo pela clássica benzodiazepina) tiveram melhores desfechos, nomeadamente menos ventilação invasiva. A percentagem de apenas 13% e o carácter retrospectivo impedem-nos de grandes conclusões, mas acho que, falando para Portugal, a conclusão simples de apenas dar uma chance e saber que isto é um tema é bastante válida. Para mais, leiam o capítulo do IBCC relativo.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=146 (65 vs 81), série de casos, 2007-2021, Israel
Novíssima técnica de tratamento de infecções de dispositivos cardiovasculares electrónicos implantados sem a sua extracção e apenas com doses elevadas de antibióticos locais - continuous, in situ–targeted, ultrahigh concentration of antibiotics (CITA). A taxa de sucesso da CITA, apesar de menor, foi bastante satisfatória (85% vs 96%) e muito menos associada a iatrogenia (1.5% vs 15%). Sem esquecer que estamos a falar apenas de uma série de casos de infecções locais muito seleccionadas e sem isolamento de Staph. Aureus (excluídos), são boas notícias para o futuro.
Neurologia
n=4, série de casos, Austrália e EUA, 2019-2021
Impressionante. Um dispositivo implantável através da veia jugular até ao seio sagital superior foi seguro e capaz de captar sinais neuronais e transformá-los em mensagens em 4 doentes com tetraparésia bilateral grave, sem necessidade de cirurgia aberta.
Técnicas, POCUS, Exames & Outros
n=347, análise retrospectiva de registo electrónico, 2008-2017, Nova Zelândia
Classicamente, conhecemos a regra de que a sensibilidade do TC multicorte sem contraste seria de 100% se antes das 6h depois do início abrupto da cefaleia. Com os TC multicorte de nova teconologia, vemos agora que essa sensibilidade se mantém 100% às 24h e até 99% às 48h! Incrível.
OPINIÃO
REVISÃO NÃO-SISTEMÁTICA / NARRATIVA
Neurologia
Resumos bastante consistentes sobre toda a abordagem da enxaqueca.
PERSPECTIVA
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Neurologia
Depois de controversa aprovação do lecanemab, as polémicas já começam a chegar. Aqui temos um dos 3 casos de morte que foram excluídos da análise final do CLARITY Trial, neste caso por AVC, potencialmente relacionado com anormalidades relacionadas com amilóide.
FOAMed
Geral, Geriatria & Paliativos
Nefrologia
Este vem com atraso, mas só agora o li. Não deixa de ser ultra-relevante.
Neurologia
Bom resumo sobre dellirium (ou s. confusional agudo ou encefalopatia)
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