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Bernardo Vidal Pimentel

Janeiro de 2022

Atualizado: 2 de fev. de 2022



2022. Duas décadas volvidas, e muita coisa mudou…terá mudado assim tanto? Ou será tudo pó de diferentes varridelas?

Enfim, neste mês, por motivos de inércia pós-natalícia, trago-vos tudo de uma só assentada. Perdoem-me a densidade, espero compensar-vos com verdade!

Começando pela supra-revisão da matéria controlada e aleatorizada, em verdade vos digo:

  • Os iSGLT2 voltam ao palco, sem nada de muito novo, além de que poderão também começar a jogar na liga dos doentes com factores de risco vascular e sem doença estabelecida, mas há que esperar e crer para ver. Os DOAC (NOAC, como queiram) vencem a varfarina na fibrilhação auricular, mas, verdade seja feita, não por muito (NNT médio de 150). Na esteatose hepática não-alcoólica, parece que três antidiabéticos (dois deles da moda, um já oldschool) melhoraram variáveis como inflamação e fibrose hepática, resta saber se fazem algo mais concreto ao doente.

  • Falando em surrogates, parece que a resposta patológica completa não foi grande predictor de sobrevivência geral nos (54!) ECA de tratamento de neoplasia da mama precoce.

  • Balancear ou não-balancear, eis a questão? Pois é, o novíssimo em tela NEJM Evidence quer muito mostrar-nos que no balanço está a virtude, mas apesar do (pequeníssimo) benefício numérico, continuamos sem benefício estatisticamente significativo…além de que não contemplou o PLUS trial, do qual falarei adiante.

  • No tratamento não-cirúrgico da estenose espinhal lombar, parece que corticosteróides epidurais não são uma boa estratégia.

  • No que toca à perturbação de pânico, escitalopram e sertralina estão sentados no (laxo) trono dos antidepressivos.

  • Finalmente, apesar de ser da área da Fisioterapia mas porque é sempre importante reflectir na qualidade da ciência, vimos que de 2000 a 2018 houve um aumento relativo de 30% na análise de significância clínica e estatística…no entanto, ainda temos 40% sem mencionar intervalo de confiança, significância e estimativa de efeito.

Na matéria controlada e aleatorizada em si:

Nas guidelines, vimos:

  • Mais interessante, a forma de abordar a diverticulite não-complicada tem mudado, sendo que agora é tratada preferencialmente em ambulatório e sem antibiótico.

  • NAEPP sobre Asma. Sem grande diferença para a GINA, uma das duas serve.

  • Rastreio de FA continua não recomendado. Mantenham o smartwatch na gaveta.

Nos observacionais, destaco:

  • Neste mundo onde a verdade sobre a COVID-19 é tão reverberada que se torna difícil escutá-la, foram publicadas uma catrefada de coortes que me conservam o optimismo! Nomeadamente, a demonstrar que, até agora, a efectividade das vacinas para doença grave e mortalidade se mantém ao longo do tempo e até mesmo passado 1 ano, independentemente das variantes. Já a eficácia para reduzir infecção e sintomas ligeiras parece diminuir claramente com tempo e variantes, o que, apesar de tudo, nunca foi o objectivo destas vacinas. No tópico de mais coisas que já sabíamos ou suspeitávamos, os boosters aumentam essa protecção de infecção nos grupos de risco, alargar o intervalo de vacinação faz sentido e a miopericardite pós-vacina mRNA existe mesmo, principalmente nos jovens de sexo masculino.

  • Na área cardiovascular, mais lenha na fogueira do debate em torno do score de cálcio coronário, e um artigo com mais uma utilidade simples e verosímil do POCUS, neste caso a inferência da PVC através da medição da altura da VJI com um +LR de 10!

  • Na neurologia, a validação do questionário “SAGE, auto-realizado pelo doente e equiparável ao MMSE, imagens de perfusão para estudar oclusões da artéria basilar possivelmente elegíveis a trombectomia e o não-benefício de anti-agregação nos AIT sem qualquer achado imagiológico (...mas se isso já pertence à definição de AIT, significa que este termo acabará?). Por fim, uma série de casos de neuropatia de pequenas fibras, o que poderá explicar muita consulta (fibromialgia alert)

  • Doente crítico, mais scores de TEP, um de rastreio de prognóstico futuro e outro de risco de hemorragia, validação de 6 subfenótipos de ARDS através de machine learning (nice!), TC às 24h para excluir HSA possível (!) e, finalmente, cuidado com altas de final de turno…(interna luta contra eterno viés do cansaço cognitivo)

  • Na gastroenterologia, as complicações cardiovasculares também existem no doente pós-colonoscopia (mais frequentes que perfuração em idosos com co-morbilidades), e, mais uma vez, IBP e cancro (!).

  • Não fosse eu português, trago-vos a experiência tuguesa de tratamento de urticária crónica. Já um bocadinho mais longe, a experiência de prescrição inadvertida de antibióticos não-beta-lactâmicos a doentes com alergia a penicilina.

  • Finalmente, pode custar a alguns, mas parece que os médicos de cuidados primários são melhores a gerir doentes complexos em regime de ambulatório

Vários casos clínicos, é disfrutar.

Vários artigos de opinião, é ler, duvidar e aceitar (ou não).

  • Em jeito de prova de como 2021 não foi assim tão mau, o NEJM JW deixou-nos a habitual revisão anual, de onde temos coisas giras como diverticulite não-complicada sem antibióticos, suplementos com mais potássio e menos sódio a salvar vidas, nefro-cadavezmaismitologia de contraste, hiper-cadavezmenosmitologia-adrenalismo e coisas que toda a gente já sabe no COVID-19.

FOAMed a bombar também, é aprender e partilhar.

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