2022. Duas décadas volvidas, e muita coisa mudou…terá mudado assim tanto? Ou será tudo pó de diferentes varridelas?
Enfim, neste mês, por motivos de inércia pós-natalícia, trago-vos tudo de uma só assentada. Perdoem-me a densidade, espero compensar-vos com verdade!
Começando pela supra-revisão da matéria controlada e aleatorizada, em verdade vos digo:
Os iSGLT2 voltam ao palco, sem nada de muito novo, além de que poderão também começar a jogar na liga dos doentes com factores de risco vascular e sem doença estabelecida, mas há que esperar e crer para ver. Os DOAC (NOAC, como queiram) vencem a varfarina na fibrilhação auricular, mas, verdade seja feita, não por muito (NNT médio de 150). Na esteatose hepática não-alcoólica, parece que três antidiabéticos (dois deles da moda, um já oldschool) melhoraram variáveis como inflamação e fibrose hepática, resta saber se fazem algo mais concreto ao doente.
Falando em surrogates, parece que a “resposta patológica completa” não foi grande predictor de sobrevivência geral nos (54!) ECA de tratamento de neoplasia da mama precoce.
Balancear ou não-balancear, eis a questão? Pois é, o novíssimo em tela NEJM Evidence quer muito mostrar-nos que no balanço está a virtude, mas apesar do (pequeníssimo) benefício numérico, continuamos sem benefício estatisticamente significativo…além de que não contemplou o PLUS trial, do qual falarei adiante.
No tratamento não-cirúrgico da estenose espinhal lombar, parece que corticosteróides epidurais não são uma boa estratégia.
No que toca à perturbação de pânico, escitalopram e sertralina estão sentados no (laxo) trono dos antidepressivos.
Finalmente, apesar de ser da área da Fisioterapia mas porque é sempre importante reflectir na qualidade da ciência, vimos que de 2000 a 2018 houve um aumento relativo de 30% na análise de significância clínica e estatística…no entanto, ainda temos 40% sem mencionar intervalo de confiança, significância e estimativa de efeito.
Na matéria controlada e aleatorizada em si:
O aguardado ECA a comparar semaglutido com liragultido na obesidade, com vitória para o semaglutido com perda de 16% vs 7% kg. A favor da verdade temos uma magnitude equivalente à dos ensaios prévios. As duas grandes limitações foram a não-cegagem e (para mim a principal) a estratégia de suspensão do liraglutido se efeitos adversos vs. reduzir para dose mais baixa no caso do semaglutido, o que originou uma descontinuação de 30% doentes no braço do liraglutido, o dobro do braço semaglutido, o que poderá justificar o menor efeito do liraglutido.
Metoprolol na Cardiopatia Hipertrófica Obstrutiva - ensaio muito pequeno, mas ainda assim o primeiro a testar um beta-bloqueante nesta população e com benefício estrutural e clínico! Ficámos também a saber que os Drug Eluting Stents também parecem vantajosos no que toca a stents colocados em território intracraniano.
Mais um ECA a comparar cristalóides balanceados com não-balanceados, leia-se Plasma-Lyte com Cloreto de Sódio. Bem, não tenho muita coisa a dizer, além de que o ensaio foi globalmente neutro. Apesar dos cristalóides balanceados serem lógica e fisiopatologicamente aliciantes, no que toca a ressuscitação em ambiente intra-hospitalar moderno com doses controladas, não parece haver grande efeito. Relembro que o cloreto de sódio é cerca de 50 cêntimos mais barato, o que parece não fazer grande diferença...mas, se num serviço de urgência distrital médio com cerca de 300 doentes por dia todos precisarem de 1L de fluidoterapia, com Plasma-Lyte serão mais 150eur por dia e 4650eur por mês.
Ainda sobre o serviço de urgência, gostaria de trazer o ECA (já de alguns meses) que comparou os scores sPESI e HESTIA para avaliar doentes com TEP tratados em ambulatório: os scores foram igualmente eficazes em seleccionar esses doentes, mas fica o registo de uma coorte controlada de 1900 doentes com TEP no SU em que ~35% tiveram alta sem hospitalização ou morte (90 deles com disfunção do ventrículo direito!). TEP e Ambulatório não são antagónicos.
Nos imuno-mediados, destaca-se os maiores risco cardiovascular e cancerígeno e até de mortalidade do tofacitinib em relação aos inibidores do TNFa no tratamento da Artrite Reumatóide (adultos com FRV e já tratados com metotrexato).
Na área dos micro-bichos, fosfomicina endovenosa foi inferior a meropenem ou ceftriaxone no tratamento de ITU com bacteriémia a E. Coli multi-resistentes, profilaxia infecciosa cirúrgica com 1 dia de antibiótico não-inferior a 4 dias e probiótico oral eficaz a reduzir infecção a c. diff recorrente.
Destaco o benefício de simplificação dos cuidados de enfermaria privilegiando o enfoque no menor malefício possível, através de programas estruturados, menos alertas, mais fisioterapia e mais discussão de objectivo de cuidados.
A enfermaria cirúrgica não foge à tendência de que conservadorismo antes de intervencionismo médico é muitas vezes mais sensato, com benefício idêntico à custa de menor malefício, como vimos na fractura distal do rádio e na rotura do menisco. Por falar em cirurgia, gastrectomia com bypass superior à banda gástrica na obesidade. Dor depois da cirurgia também nunca é bom, e a dexametasona foi uma forma #opioidfree-based eficaz na redução de dor pós-operatória. Para acabar, não fosse eu um homem de desporto das águas, a modalidade fisioterapia aquática foi eficaz no tratamento da dor lombar crónica…importante notar que a idade média foi de 33 anos (para mim serve!).
Na COVID-19, a estratégia de vacinação heteróloga já oficialmente reconhecida em ECA (e com benefício, apesar das homólogas também o terem), mais anticorpos monoclonais em seronegativos em fase precoce e, finalmente, um antiviral aparentemente eficaz...em não-vacinados. Resta saber como este e todos os outros tratamentos com resultados benéficos já publicados à data se comportarão nos não-vacinados.
Nas guidelines, vimos:
Mais interessante, a forma de abordar a diverticulite não-complicada tem mudado, sendo que agora é tratada preferencialmente em ambulatório e sem antibiótico.
NAEPP sobre Asma. Sem grande diferença para a GINA, uma das duas serve.
Rastreio de FA continua não recomendado. Mantenham o smartwatch na gaveta.
Nos observacionais, destaco:
Neste mundo onde a verdade sobre a COVID-19 é tão reverberada que se torna difícil escutá-la, foram publicadas uma catrefada de coortes que me conservam o optimismo! Nomeadamente, a demonstrar que, até agora, a efectividade das vacinas para doença grave e mortalidade se mantém ao longo do tempo e até mesmo passado 1 ano, independentemente das variantes. Já a eficácia para reduzir infecção e sintomas ligeiras parece diminuir claramente com tempo e variantes, o que, apesar de tudo, nunca foi o objectivo destas vacinas. No tópico de mais coisas que já sabíamos ou suspeitávamos, os boosters aumentam essa protecção de infecção nos grupos de risco, alargar o intervalo de vacinação faz sentido e a miopericardite pós-vacina mRNA existe mesmo, principalmente nos jovens de sexo masculino.
Na área cardiovascular, mais lenha na fogueira do debate em torno do score de cálcio coronário, e um artigo com mais uma utilidade simples e verosímil do POCUS, neste caso a inferência da PVC através da medição da altura da VJI com um +LR de 10!
Na neurologia, a validação do questionário “SAGE”, auto-realizado pelo doente e equiparável ao MMSE, imagens de perfusão para estudar oclusões da artéria basilar possivelmente elegíveis a trombectomia e o não-benefício de anti-agregação nos AIT sem qualquer achado imagiológico (...mas se isso já pertence à definição de AIT, significa que este termo acabará?). Por fim, uma série de casos de neuropatia de pequenas fibras, o que poderá explicar muita consulta (fibromialgia alert)
Doente crítico, mais scores de TEP, um de rastreio de prognóstico futuro e outro de risco de hemorragia, validação de 6 subfenótipos de ARDS através de machine learning (nice!), TC às 24h para excluir HSA possível (!) e, finalmente, cuidado com altas de final de turno…(interna luta contra eterno viés do cansaço cognitivo)
Na gastroenterologia, as complicações cardiovasculares também existem no doente pós-colonoscopia (mais frequentes que perfuração em idosos com co-morbilidades), e, mais uma vez, IBP e cancro (!).
Não fosse eu português, trago-vos a experiência tuguesa de tratamento de urticária crónica. Já um bocadinho mais longe, a experiência de prescrição inadvertida de antibióticos não-beta-lactâmicos a doentes com alergia a penicilina.
Finalmente, pode custar a alguns, mas parece que os médicos de cuidados primários são melhores a gerir doentes complexos em regime de ambulatório
Vários casos clínicos, é disfrutar.
Vários artigos de opinião, é ler, duvidar e aceitar (ou não).
Em jeito de prova de como 2021 não foi assim tão mau, o NEJM JW deixou-nos a habitual revisão anual, de onde temos coisas giras como diverticulite não-complicada sem antibióticos, suplementos com mais potássio e menos sódio a salvar vidas, nefro-cadavezmaismitologia de contraste, hiper-cadavezmenosmitologia-adrenalismo e coisas que toda a gente já sabe no COVID-19.
FOAMed a bombar também, é aprender e partilhar.
Recomendo especialmente a série do First10EM sobre os vários tratamentos recentes para COVID-19, especialmente incidentes na fase não-grave e precoce, e destaco o interlúdio filosófico para se perceber melhor o que isto de MBES - medicina baseada na ciência e sensatez.
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Myocarditis After mRNA vaccine in the US From 12/2020 to 08/2021 | JAMA
Myocarditis after BNT162b2 Vaccination in Israeli Adolescents | NEJM
Carditis After RNA Vaccine (Pfizer) and Inactivated Virus Vaccine (CoronaVac) | AIM
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