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Bernardo Vidal Pimentel

Junho de 2023 - #4 Hipótse nuuuuula

Atualizado: 30 de jun. de 2023

Pois é meus caros, nem o JAMA ficou indiferente ao nosso recém-criado podcast "Hipótese Nula" e decidiu presentear-nos com marketing gratuito. Espreitem em baixo para entender porquê!


No substack: esFOAMeados


TABELA DE CONTEÚDOS

 

SINOPSE


🎂 Nata da nata

- OA --> Exercício terapêutico (discretamente) melhor


🍰 Nata

- GRACE risk score --> Não superior ao médico

- Pós-PCR --> Hipercapnia ligeira permissiva sem efeito

- Vídeolaringoscopia --> Agora também já superior a LD no doente crítico!

- Meropenem EV --> Infusão contínua não superior a bólus intermitente

- DRC5d --> HDF com menos mortalidade que HD?

- HSA de aneurisma --> PL profiláctica pode vir a ser benéfica (ainda não sabemos)

- AVCi --> Adjuvante a TEV = ApTOLL ? Veremos


🧾Receita

- ARDS (ESICM)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: Esfregaço vaginal vs urinário nas DSTs

- Primários: PEN-FAST e validação | Hipótese nula e desfechos primários não-significativos | Chat GPT-4 e diagnóstico de casos do NEJM | IA e EEGs


Opiniões

- Perspectiva: 8 mitos para o infecciologista


🌎FOAMed

- Doença coronária: anti-agregação, FA e anti-coagulação | Meformina e "COVID-longo" | Intoxicação e gap osmolar

 

REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Geral, Geriatria & Paliativos

31 ECAs / n=4241, PRISMA, Medline/EMBASE/AMED/HMIC/CINAHL/WoS/CDSR/DARE/CCTR/NHSEED, CRBT1, 12-19

P - Osteoartrose do joelho e/ou anca

I - Exercício terapêutico

C - Sem exercício terapêutico

O » Menos? dor » -6/100 a curto-prazo, -4/100 a médio-prazo e -3/100 a longo-prazo

» Melhor? função física » +4/100 a curto-prazo, +3/100 a médio- e longo-prazo

» Maior benefício quando pior dor e função física basal

Comentário: Em primeiro lugar, parabéns aos autores pelo esforço hercúleo de pesquisa de ECAs de exercício na osteoartrose em várias bases de dados. A prova de que há poucos e pequenos ensaios adequados à PICO que procuraram é que dos 91 iniciais apenas sobraram 31, e desses 31 o número total de doentes foi pouco mais de ~100 doentes/ensaio. Sobre os resultados, exercício parece ter melhorado a dor e função física...será? A diferença parece pouco clinicamente relevante. E mais um parabém aos autores que, justiça lhes seja concedida, o realçam! Porque resolvi eu trazer esta RS então?? Primeiro, para desmistificar que o "exercício faz mal à artrose", algo que oiço comumente e até talvez nalguma gíria comum médica. No máximo, não faz nada à artrose. Apesar de ter alguma dúvidas sobre isso...confiando nos dotes de revisão e de transformar a melhor prova científica de maior relevância para os doentes do grupo PEER de Alberta do James McCormack, Mike Allen e companhia, a sua revisão e algoritmo simplificado divergem um pouco desta. Talvez esta RS seja demasiado sensível e inclua ECAs não tão rigorosos? Não sei. No entanto, uma coisa é certa: exercício não faz mal à artrose e faz bem a muita coisa.

Conclusão: Exercício terapêutico melhorou discretamente dor e função física na osteoartrose do joelho (sobretudo) e anca, mas dúvidas se clinicamente relevante e efeito sustentado a longo-prazo.



ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Cardiovascular

n=3050, aglomerados, 38 hospitais de Inglaterra, 2017-2019

Não me vou alongar muito. Surpreendentemente, a utilização dogmática da escala de risco GRACE em todos os doentes com EAMsest não foi superior a simplesmente...ser médico. Ainda bem que ser médico é eficaz!


Doente crítico/urgente

n=1700, quadruplamente-oculto, 63 UCIs em 17 países de vários continentes, 2018-2022

P - RCE depois de PCR de causa cardíaca ou indeterminada + UCI

I - Hipercapnia ligeira (PaCO2 50-55mmHg)

C - Normocápnia

O 1º » IGUAL desfecho neurológico aos 6 meses

2º » Igual mortalidade e EAs

Comentário: Não sei muito bem de onde vinha esta pressuposto, mas como diz o outro "chapéus fisiológicos há muitos...". Totalmente nulo e acho que encerra o assunto...será? (...e talvez não beneficiem de todo de gasimetria?)

Conclusão: Hipercapnia ligeira em doentes com recuperação circulatória após paragem cardio-respiratória por causa cardíaca ou indeterminada em contexto de UCI não beneficiaram de alvo de "hipercapnia ligeira"


n=1417, não-oculto, 17 SU/ICUs nos EUA, 2022

P - Indicação para EOT + SU ou UCI

I - Vídeolaringoscopia (VL)

C - Laringoscopia directa (LD)

O 1º » MELHOR EOT na 1ª passagem - 85.1 vs 70.8 %, ABA 14% / NNT 7

2º » Iguais complicações durante EOT e outros EAs

Comentário: Até agora, havia a dúvida, através de vários ensaios pequenos, se vídeolaringoscopia será o caminho. Apesar de não ser de todo a minha praia, tendo a confiar no bom senso do Scott Weingart, que tem feito vários podcasts, palestras etc. a favor da VL sempre. Segundo ele, não há desculpa para não usarmos a melhor estratégia possível, sobretudo para os menos experientes. Os ensaios não eram claros mas, como disse, pequenos. No mundo electivo, ainda há bem pouco tempo vos trouxe um ensaio com ~2000 doentes em que VL foi superior. Agora, este grande ensaio diz-nos claramente que EOT na 1ª-passagem é bastante melhor com VL no doente agudo. Segundo muitos, é um bom desfecho de substituição, havendo estudos a demonstrar que pior EOT-1ªP é pior, sendo até duvidoso se lhe chamaria "substituição" ou "surrogate" (é bem mais relevante para o doente que concentração sérica de LDL, não?). Okay, terminado precocemente por futilidade, mas parece-me legítimo pois estava planeado no protocolo inicial. Suportando a perspectiva do Scott, mais de 90% eram internos ou fellows (tipo internos de sub-especialidade). Cerca de 50% eram VA pelo menos moderadamente dificeís e nem falamos de doentes especificamente de UCI, sendo que 70% das EOT aconteceu no SU! Eu já tinha a ideia que, no panorama português em que o internista comum não tem experiência em VA, não deveria entubar. Agora, fico aindo mais convencido a, até a aprender com quem saiba VL, não me meter a brincar com a vida dos doentes a praticar LD. Mas isto sou eu.

Conclusão: Vídeolaringoscopia bastante superior a laringoscopia directa para entubação na 1ª-passagem, numa população de doente agudo substancialmente não-necessariamente-crítico (70% em SU e 30% em ICU).


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=607, duplamente-oculto, 26 UCIs de 4 países (Croácia, Itália, Casaquistão e Rússia), 2018-2022

P - Sépsis/choque séptico com meropenem

I - Meropenem EV contínuo

C - Meropenem EV intermitente

O 1º » IGUAL mortalidade aos 28d e micro-organismos resistentes

2º » Igual mortalidade aos 28 e 90d, SV-livre de antibióticos e SV-livre de UCI, ...

Comentário: Mais uma prova contra infusão contínuas de beta-lactâmicos. Bem na ordem da semana (hipótese nula), pois, até aqui, a prova de que beta-lactâmicos como merepenem beneficiariam de infusão contínua era pouco convincente, e aqui ficou provado isso mesmo. Fica a dúvida com vancomicina: há quem diga que sim, eu não sei, mas não a vejo a ser utilizada na minha prática. Bem, em caso de dúvida, porque não ir pela hipótese nula que está correcta em >90% dos casos? (vide em baixo).

Conclusão: Infusão contínua de meropenem não foi superior a bólus intermitente no choque séptico.


Nefrologia

n=1360 (de 1800 planeados), não-oculto, Países Baixos

P - DRC5d c/ HD há >3M + Candidato para atingir 23L/sessão (HDF alta-dose)

I - Hemodiafiltração de alta-dose

C - Hemodiálise de alto-fluxo

O 1º » MENOS mortalidade aos 30 meses - 17.3 vs 21.9 %, RRA 4.6%, NNT 22

2º » Igual MCV mas menos mortalidade por outras causas e por infecções se COVID-19 incluído

» Igual transplante renal

Comentário: Tenho conhecimento quase nulo no tema, mas vou começar com o que sei. Hemodiafiltração é uma técnica mais complexa que hemodiálise simples, que usa gradientes de difusão além de convecção, para que se consigam remover moléculas e toxinas de maior tamanho/peso molecular. Até agora, tinham havido ensaios pequenos e com limitações, alguns positivos (pelo menos 1, se não me engano) e outros não. Este foi o primeiro "grande ensaio", com um objectivo inicial de incluir 1800 doentes para uma mortalidade estimada de 40% no grupo controlo. Começamos logo por aí, não só a mortalidade foi metade da estimado (porquê?) como foram incluídos menos 500 doentes que o previsto (provavelmente pelo COVID-19). Passando ao resultado bombástico: RRA de 4.6% para mortalidade. Isto para mim é uma resultado extremamente surpreendente. Uma singular complexa mudança de técnica reduz mortalidade com esta magnitude? Hmm...mortalidade é o desfecho dos desfechos, mas há que ter cautela aqui. A curva de Kaplan-Meyer demora quase a 2 anos a separar-se...porquê só diminuição de mortalidade a partir dos 2 anos?. Outra coisa estranha, é que parece que o benefício na mortalidade foi sobretudo para doentes com COVID-19 e sem redução de MCV. Será um benefício na patógenese do COVID-19 e da sépsis propriamente ditos, ou terão havido menos doentes com COVID-19 no braço de HDF? Gostava de ter visto esse número, mas procurei-o em vão no suplemento. Também se nota um grande número de perda para follow-up e de tratamento não completo... enfim, alguns pormenores que me fazem "parar e pensar". Não tenho muito mais conhecimento para as tecnicidades, mas pelo que li acho que HDF acarreta dificuldades práticas, com os 23 litros por sessão. Espero ansiosamente pelo NephJC sobre o tema, que acontecerá em breve. Por enquanto, não estou assim tão entusiasmado, mas veremos!

Conclusão: Hemodiafiltração parece diminuir mortalidade total aos 30 meses quando comparada com hemodiálise. Alguns pormenores do ensaio fazem-me querer esperar por comentários externos como os futuros do NephJC.


Neurologia

n=287, não-oculto,19 centros na Alemanha, Suíça e Canadál, 2011-2016

P - HSA por ruptura de aneurisma

I - Punção lombar profiláctica 1º-2º dias

C - Habitual

O 1º » MENOR/= desfecho neurológico desfavorável (mRS 3-6) a 6M - 33 vs 45% / RRA 12%, RR 0.73 (0.52 a 0.98), P=.04

2º » Menos/Igual enfarte cerebral na data de alta - 29 vs 40 % / RRA 11% , RR 0.71 (0.49 a 0.99), P =.04

» Vários outros desfechos iguais, incluindo mortalidade à alta e aos 6M

Comentário: Não sei bem o que achar deste ECA. Parece realmente que a PL profiláctica a curto-prazo pode ter algum benefício, numa população previamente muito autónoma (praticamente todos tinham mRS de 0 antes da HSA). Mas ECA muuuito pequeno e com o p-value muito pouco convincente. Ou seja, a hipótese nula não está totalmente rejeitada, na minha opinião, pelo que necessitaríamos de um ensaio maior, de preferência duplamente-oculto. Mais, estava eu a calcular o índice de fragilidade quando a calculadora online que usei me deu um p-value de 0.52, pelo que IF de 0. Ou seja, IF nem faria sentido porque, por si só, a calculadora obteve um resultado não-estatitiscamente significativo. Não percebo bem como é que lhes deu um resultado diferente, se alguém souber e me quizer dizer, agradeço. Mas inclino-me para que quando superioridade não convicente, às vezes basta aplicar um pouco de scalagadula mexecabula pitchiquipotchiquipu para voilà e resultado superior...

Conclusão: Punção lombar profiláctica na hemorragia subaracnoideia por ruptura de aneurisma talvez melhore a função neurológica, mas ensaio demasiado frágil para o sabermos com certeza.


n=32 (divididos em 4 grupos), fase 1/2, duplamente-oculto 15 centros em Espanha e Madrid, 2020-2022

Não é que adore o ditado, mas dizem que o Santo desconfia da esmola grande. Neste ensaio, há 31 afiliações profissionais para 32 doentes divididos em 4 grupos. O que dizem disto? Adiante, parece que este ApTOLL é um antagonista do toll-like receptor 4 que pode estar implicado na fisiopatogénese do AVC isquémico. Com isto em mente, teoriza-se que possa ser um adjuvante a TEV. E, neste ensaio piloto, a maior dose de ApTOLL aumentou mortalidade!!...calma, quero mesmo ver isto num ensaio grande, pois talvez o ditado faça mais sentido ao revés e eu não me quero armar em Belzebu: até da esmola mínima o Diabo se apodera.


NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES

Doente crítico/urgente

Não é a minha praia mas como pede interessar a alguém (e, na verdade, mesmo para os outros médicos é sempre bom saber de uma forma geral o que se vai passando na UCI, pois quase todos temos/teremos de dialogar com intensivistas) trago aqui a nova norma sobre abordagem / tratamento de ARDS. Não muda grande coisa, pelo que percebi. Talvez o maior destaque vá para não terem mudado a definição como os americanos, gerando controvérsia. Vejam o resumo das recomendações. Destaco finalmente que falam dos potenciais benefícios da pronação/reposição consciente numa ou duas frases, algo que andei a fazer muito no pico da pandemia COVID e talvez tenha tido algum benefício, nem que seja no conforto.


 

ESTUDOS OBSERVACIONAIS

REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

Esfregaço vaginal parece ter melhor sensibilidade que urinário (90-100% para estes três, mais próximo de 100%!)


PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Diagnóstico & Raciocínio Clínico

n=80 casos clínicos, estudo transversal, casos do NEJM comparados com Chat GPT-4, 2021-2022

Como não amar este estudo? Para testar o poder diagnóstico do chat GPT-4, os autores (entre os quais o grande Adam Rodman, médico generalista e historiador de medicina, estudioso do "diagnóstico" a autor dum podcast fascinante chamado Bedside Rounds) decidiram comparar o diagnóstico do chat GPT-4 com o diagnóstico final dos casos do NEJM entre 2021 e 2022 que não focados em raciocínio clínico (em que o objectivo não era o diagnóstico final). Parece-me um comparador legítimo com o topo na pirâmide do diagnóstico, e os autores argumentam que este comparador é geralmente utilizado nos estudos focados em diagnóstico. Resultado? O chat incluiu o diagnóstico final em 64% dos diagnósticos diferenciais (desfecho primário) e acertou no diagnóstico final em 39% (um dos secundários). O médico supracitado tem uma teia explicadora bem mais detalhada e convincente que tudo o que eu possa dizer, mas queria só fazer um ou outro comentário. Em primeiro lugar, concordo com a escolha do desfecho primário, pois é isso que os médicos quererão saber, se experimentar o chat numa primeira abordagem os ajudará. Em segundo, reforço as duas principais conclusões que o Adam Rodman sublinha:

  • Resultados bons? Sim. O comparador está na arriba da cadeia diagnóstica. Nem todos somos Vítor Brotas.


  • O chat GPT-4 substituirá o médico? Não. Assim como todas as tentativas anteriores não substituiram, sendo argumentável (como foi) que bastaria recriar vários Vítor Brotas para uniformizar e optimizar o diagnóstico.

Posto isto, eu fico cada vez mais tentado a gastar 20 dólares por mês para o chat. Se por um lado é caro, penso se isto não seria um bom preço a pagar pelos doentes. Sim, isso ainda não está provado...pelo que, por enquanto, vou mas é comer umas sardinhas ali a Alfama!


n=30.493 EEGs / 14.980 doentes, estudo de acuidade diagnóstica, 2 centros na Noruega e Dinamarca, 2014-2022

Acuidade do relatório de EEGs de sistema de IA foi, no mínimo, igual ao humano e obteve uma boa performance geral como uma AUC de 0.89 a 0.96. Mais uma bomba da IA. Por mim, venha ela e nos ajude a trabalharmos mais para o doente e menos para o relatório.


Geral, Geriatria & Paliativos

n=80 hospitalistas, estudo qualitativo, sistema de comunicação hospitalar de hospital dos EUA (Indiannopolis), 20-21

Acho que este entra para o pódio dos mais engraçados que já li. Se vos dissesse aqui e agora em jeito de introdução "Emoji, por outro lado, são tipicamente imagens de 12 × 12 pixéis sobre tudo, desde faces (😊) a berinjelas (🍆) e pontos de exclamação (❗)" achariam que eu estava a gozar ou não? Pois bem, isto foi directamente extraído da introdução (😂 também tenho direito). E chegaram à brilhante conclusão de que nos 7% dos casos em que foram claramente usados em mensagens servem para exprimir emoção ou contribuir para a comunicação. E foi apenas isto. Nada mais. Vale pelo provavelmente único artigo de sempre a presentear-nos com este símbolo 🍆?


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=120, estudo retrospectivo de validação de escala, EUA, 2020-2022

Já tinha sido validado na Europa, e agora o PEN-FAST (de que também já aqui falei várias vezes) foi validado na noutro centro dos EUA e obteve um valor preditivo negativo de 100%! Excelentes notícias. (Nota: reparei agora mesmo que já está no MedCalc pelo que já não há desculpa)


Meta-investigação & MBE

n=130 ECAs / 169 desfechos primários não-significativos, estudo transversal, 6 journais em 2021

Esta é a semana dos estudos originais e reveladores. À frente poderão conhecer outro estudo fascinante. Voltando a este, ideia simples mas abordagem um pouco mais complexa de estudar "de que forma é que os desfechos primários estatisticamente não-significativos (qualificados através do valor p acima de 0.05 ou IC 95% que inclua o 0) se relacionam mais com a hipótese nula ou com a hipótese alternativa". Surpreendentemente (não...), desfechos nulos relacionaram-se com a hipótese nula em mais de 90% de casos. Muitos como John Ioannidis, John Mandrola, Vinay Prasad, Ken Milne, Carl Heneghan & Tom Jefferson etc. etc. têm passado anos a estudar, divulgar e trabalhar esta noção, algo que inclusivé inspirou o nosso recém-podcast (como se diz podcast em português??) "Hipótese Nula". Mas calma, este estudo vai mais longe! Em >50%, o rácio de verosimilhança de efeito nulo excedeu os 100! Ou seja, como disse o Dan Morgan (que se dedica a estudar estas coisas com estudos recentes muito interessantes), a típica frase "ausência de evidência não é igual evidência de ausência" está geralmente (pelo menos parcialmente) errada. Concordo que há um fundo de parcial verdade na frase. Mas a aplicação à medicina baseada na prova não costuma ser justa, pois sabemos que, neste caso (teste de intervenções), a hipótese nula é geralmente a correcta. Neste estudo, ficamos ainda mais confiantes disso mesmo: da grande magnitude de nulidade de efeito. Tenho dito.


 

OPINIÃO

PERSPECTIVA

Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

Recebi uma partilha abençoada no dia de Santo António (santo conhecido pelo reaparecimento de coisas perdidas) deste artigo cujo spin já tinha visto no twitter mas que ainda não tinha oportunidade de ler. Finalmente o fiz, e ainda bem. Caso tenham uns minutos e paciência para este chato que sou, tenho 3-4 comentários. Se não, melhor mesmo é ler o artigo!

  • Excelente o reforçar da "hipersensibilidade a beta-lactâmicos" não ser ao anel beta-lactâmico em si mas sim à cadeia lateral (na verdade até acho que poderíamos abandonar o termo...mas sim, é discutível)

  • As menções a linezolida e clindamicina (sim, em indicações diferentes mas parte do racional mantém-se) vieram mesmo a calhar com este ensaio controlado e aleatorizado muito recente (parte dos autores são os mesmos!), desta feita nas IPTM necrotizantes: Clindamycin plus Vancomycin versus Linezolid for Treatment of Necrotizing Soft Tissue Infection (CID)

    • Na questão de usar ou não linezolida fico sempre dividido se, do ponto de vista de stewardship, não será melhor racionalizar/poupar a linezolida para infecções resistentes a vancomicina como VRE...

  • Fiquei surpreendido com o favorecimento de nitrofurantoina em relação a fosfomicina na cistite não-complicada, mas tendo a concordar! Embora por um lado ache que a fosfomicina tem o seu papel nas cistites (e até pielonefrites, mas isso é outra discussão...) de micro-organismos resistentes e até produtores de ESBL, nas simples tenho tendido a favorecer a nitrofurantoína por 2 razões:

    • i) os ensaios dizem que nitrofurantoína é, no mínimo, igualmente eficaz e sem mais efeitos adversos (neste contexto em que é usada por 5 dias) e até mais eficaz no melhor ensaio (mencionado no artigo) - boa revisão neste Tools for Practice de 2020

    • ii) a nitrofurantoína é (se não me engano e corrijam-me se estou enganado) um antibiótico que só tem um fim, o tratamento de cistite não-complicada, pelo que óptimo do ponto de vista de stewardship usá-lo na sua única indicação.

  • Bom também a dúvida na utilidade da rifampicina e gentamicina na endocardite de válvula protésica!

    • Talvez ainda seja cedo, mas pode ser que com futuros ensaios saibamos definitivamente se as podemos abandonar? Pelo menos já temos um negativo para a gentamicina como eles dizem.


FOAMed

Cardiovascular

Para variar quando toca à generalidade dos Curbsiders, não concordo com tudo, sobretudo aquela "prevenção 1.5ª" que me faz muito pouco sentido (prémio pela originalidad, no entanto!) e não existe nenhum ECA a suportá-la. Destaco, no entanto, em relação à prevenção secundária com anti-agregação (e aqui sim, existem ECA):

  • Clopidogrel superior a ácido acetilsalicílico na anti-agregação simples (HOST-EXAM)

  • Anti-agregação dupla por 1-3 meses cada vez parece melhor (MASTER-DAPT e outros, ver inventário deste mês)


Doente crítico/urgente

Rosh Review EM Scholar Monthly Question - Intoxication and Osmolar Gap | Rebel EM


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

Opinião parecida à minha da semana passada, mas (sem surpresas) mais detalhada e com o adicional (muito) bem-visto pormenor da grande variação de (auto-reportado) "COVID-longo" nos diferentes grupos placebo.


 

ABA - Aumento de Benefício Absoluto | ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática

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