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Bernardo Vidal Pimentel

Março 22 - A última coca-cola de um deserto de fragilidade.



Brinde a todos os amantes da Coca-Cola Zero! É só o que tenho a dizer. Além de que (infelizmente) não recebo financiamento da Coca-Cola Company e não declaro conflitos de interesse além da preferência exclamada na frase anterior.

Navegando à boleia da cafeína pelas RS de ECAs:

  • Bebidas adocicadas sem/pobres em calorias resultaram em menor peso à custa de menor gordura nesta revisão de 17 ECAs (nada mau nutriciocientistas!), e até parece que, comparadas com água, resultaram também em menor peso. Calma, isto foi tudo marginal na ordem do “1” (1kg de peso e 1% de gordura) e a certeza foi baixa a moderada. No entanto, doravante ficarei (ainda mais) confortável a beber a minha col..cuf cuf..bebida zero ocasional. Menos feliz é a história que liga ARM e carcinoma, principalmente pulmonar. Os dados dos últimos anos têm sido contraditórios, mas nesta nova metanálise de trial-data a exposição cumulativa a estes a partir de 2.5 / 3 anos resultou em mais carcinomas. A FDA fará a sua própria análise com patient-data, e por enquanto conjecturam-se explicações. Últimos batimentos: ácido bempedóico em doentes de risco cardiovascular não diminuiu grande coisa mas aumentou coisas como lesão renal e gota, e profilaxia em pós-cirúrgia cardíaca (maioria ortopédica) também não diminuiu embolismo pulmonar sintomático enquanto aumentou hemorragia major, principalmente se com enoxaparina.

  • 😎 Índice de fragilidade! Este índice obliviado do público geral veio à tona nesta grande MA de 47 ECAs na COVID-19, que nos mostrou que o IF médio foi 4, o que não é nada bom. Mais feliz foi que nos ECAs da vacina, este número médio foi de um impressionante 119! Ainda, pelos meus cálculos, o IF no RECOVERY-Dexametasona foi 11, acima dos 8 doentes perdidos para follow-up, o que também não é nada mau. Que a língua se descole do céu da boca para falarmos de coisas como fragilidade dos ECA nas outras áreas também! (alerta trombólise…).

  • 😷 Muito terminalmente, destaco a RS bayesiana (queremos mais Bayes e menos!) de 15 ECAs sobre o papel do tocilizumab adicionado a dexametasona na COVID-19. Com ou sem surpresas, apenas podemos dizer com alguma certeza que esta adição tem benefício nos doentes com insuficiência respiratória não-ventilados.

Nos ECAs:

  • Paracetamol (1g 6/6h oral durante 1 mês) causou aumento da PAS média! (5mmHg). Em doentes com toracalgia estável de risco intermédio de doença arterial coronária, a Angio TC-coronária não foi diferente de Coronariografia no MACE…mas porque raio seria?? (vejam/leiam o grande John Mandrola na sua rubrica semanal TWIC para mais discussão). Descalação de dupla-antiagregação para clopidogrel ao fim de 1-2 meses não foi não-inferior (= foi inferior), apesar de por muito pouco.

  • 💀 Mais coisas no AVC. Numa fase mais inicial, muito cuidado com terapia anti-trombótica - AAS e heparina neste caso - nos doentes com critérios para trombectomia, pois neste ECA o aumento de hemorragia intracraniana (~dobro) foi tal que foi suspenso antes do término. Sobre que dieta escolher no pós-AVC, atenção que, apesar do outcome primário neurológico ter sido igual, levanta-se a hipótese secundária de maior mortalidade com dieta hipocalórica.

  • 💉A área imuno-mediada foi um pouco mais produtiva este mês. Só na artrite psoriática, ficámos a saber que, numa fase mais inicial, a adição de leflunomida ao metotrexato é eventualmente mais eficaz (3.7 vs 3.1 num score clínico de 1 a 10 é assim tão relevante??), e, numa fase já refractária a metotrexato 15mg, a adição de adalimumab é mais vantajosa que escalar a dose de MTX para 25mg (o que vai de encontro à minha opinião e de outros - sustentada pela ciência - de que, na medicina, escalar doses tem muito que se lhe diga…). Por fim, mais duas armas para o combate à cascata bradicinínica do Angioedema Hereditário.

  • 😷 Nas infecções não-covidescas, temos um profiláctico não-antibiótico de ITU recorrentes (a reduzir 6 ITU / ano para 5.5 ITU / ano……) e a possibilidade de utilizar anfotericina B apenas uma vez na indução do tratamento da meningite critptocóccica VIH+. Na COVID-19, mais uma de milhares (até quando??) armas terapêuticas para a fase sistémica, e a pronação não foi eficaz a melhorar insuficiência respiratória, num ECA com limitações.

  • ⚕️ Para finalizar, o tema das guidelines / normas de orientação clínica. Neste ECA interessante, a implementação de guidelines com direito a educação e auditoria e tudo, não foi eficaz na melhoria da dor em doentes oncológicos. Podemos debater as várias explicações possíveis, como o grupo placebo ter se sentido na obrigação de fazer as melhores práticas possíveis, explicação que parece cair por terra pela desgraçada eficácia de 10% em ambos grupos. Pelo que diria: ou as guidelines não reflectiram a melhor prática, ou a melhor prática é parcamente eficaz. Mais importante que tudo isso, parece-me a discussão em torno da prática clínica e utilização de guidelines, que deixo para outras lides e quem melhor sabe do assunto.

E por falar em Normas de Orientação Clínica e Profilaxia pós-cirurgia ortopédica, eis que temos uma norma conjunta de várias sociedades, que além de intuitiva e pragmática vai de encontro ao que falámos.

Nas Revisões de Estudos Observacionais:

  • Diltiazem mais rápido que metoprolol a reduzir a FC na FA de RVR, mas não esquecer que o metoprolol e outros beta-bloqueantes têm vantagens cardiovasculares de prognóstico nalgumas situações (sim ok, é verdade que os BB não parecem melhorar prognóstico na IC com FA…).

  • 💀 Na neuroprognosticação pós-paragem cardíaca, de todos os biomarcadores neurológicos, o melhor parece ser o neurofilamento de cadeia leve. Para um ganda resumo de neuroprognosticação, ler o excelente capítulo do IBCC!

  • 🎶 Por último, a música nos salvará!

Da vastidão da colectânea observacional, destaco:

  • ♥ Atenção, hospitalistas! STEMI com (bastante!) pior prognóstico se início de sintomas intra-hospitalar, hs-TnI relacionada com mortalidade pós-cirúrgia cardíaca (cut-off maior que SCA: >5.000pg/ml) e medição da função da AE (e não do tamanho!) relacionada com risco de demência. Ainda, descalação de dupla antiagregação para prasugrel após 1 mês com igual MACE e menos hemorragia, formulações de paracetamol com sódio (solúveis!) associadas a risco cardiovascular e combinação de spin com benefício de provas de isquémia para detectar doença coronária esquerda major numa subanálise do ISCHEMIA. Interessantemente, poderá haver um perfil de DM2 até agora ignorado de doentes magros mas com clearance de insulina aumentada.

  • 💀 AVC: Preditores de mortalidade no AVC isquémico candidato a trombectomia em subanálise de DIRECT-MT, jogo interessante chamado Plavenix para ajudar a reabilitação no pós-AVC (mas ainda falta prova de benefício), entre outros. Ainda, revascularização de estenose carotídea em assintomáticos provavelmente sem benefício num mundo actual de factores de risco controlados (ECA a caminho) e enquadramento temporal dos factores de risco precoces de potencial de desenvolvimento futuro de Parkinson.

  • 😷 Nas infecções não-covidescas, temos números da (baixa…mas existente!) eficácia da vacina prevenar 13 contra os internamentos por pneumonia (10%...). Na COVID-19, imunidade passiva (infecção prévia) e activa (vacinas) cada vez mais eficazes a marginalizar a gravidade sistémica e global desta infecção, tudo combinado com uma variante comparativamente inofensiva (menos até que a variante alpha!).

  • ⚕️ Num do meu grupo de estudos favoritos, o de reflexão sobre o que fazemos, destaco em 1º lugar um estudo tuga publicado na RPSMI, simples mas interessantíssimo, que nos mostrou que, num hospital distrital, 73% das prescrições de IBP foram inapropriadas. Wow. Mais coisas que suspeitávamos, como aumento de consumo de opióides durante a pandemia, centros de urologia que não seguem as recomendações no polémico rastreio de neoplasia da próstata com PSA, o também (mas menos) polémico rastreio de neoplasia da mama com 1 sobrediagnóstico em cada 7, oncologistas a discutirem real deal quando preocupados com geriatria (...e com os doentes…), e, com melhores notícias para finalizar, a esperança média de vida e a qualidade de vida a aumentar desde os anos 90! O mundo moderno não é assim tão inóspito, o fogo que fique no Inferno.

  • Como nota final, a marijuana (tio!) novamente chamada a depor, com acusações fortes. O declínio cognitivo nos consumidores frequentes (> 1x/semana) foi notório, bastante superior ao declínio secundário ao consumo frequente de álcool e tabaco.

De sobremesa, temos casos clínicos de confecção e empratamento variados, duas revisões não-sistemáticas sobre relaxantes musculares (não usar!) e meningite bacteriana (usar corticóide!) e artigos de opinião, dos quais destaco dois sobre a etérea noção de que no menos está a virtude, um sobre emergencistas e outro sobre ensino médico. Coisas que deviam ser ensinadas e discutidas desde o primeiro passo nos corredores da faculdade, dada a sua extrema utilidade e importância na práctica clínica diária, mas preferimos perder tempo a fazer mapas do ciclo de Krebs.

Por fim, os sempre sábios e críticos mentores do universo FOAMed.

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