TABELA DE CONTEÚDOS
SINOPSE
🎂 Nata da nata
Adrenalina e PCR-EH --> Mais SV e ROSC…mas melhoria neurológica?
Pancreatite Aguda --> Hidratação agressiva EV aumenta mortalidade
Lombalgia crónica --> Pouca certeza, pouca eficácia, alguma toxicidade
Neo avançada da próstata --> PFS e outros sem relação com OS
ICFEr e alertas --> Mais prescrição de ARM…melhoria clínica?
VM e alimentação --> Poucas calorias melhor que demasiadas
aGLP1 --> Não cura fibrose na NASH
Bolsite crónica --> Vedolizumab melhor que nada…melhor que outros?
COVID-19 --> AC terap. e prof. alta-dose não superior a prof. normal
Inalador digital --> Aumenta aderência…melhoria clínica?
🧐 Observações
- Diagnósticos errados de celulite e desafios na decisão partilhada
- TAVI vs SAVR aos 3 anos (EVOLUT), mulheres têm muito menos PCR súbita, onda T hiperaguda não chega para dx de EAM, possível entubar com sucesso sem parar compressões, ETCO2 foi melhor preditor de mortalidade que sinais vitais, fludrocortisona adicionada a hidrocortisona no choque séptico (desconfio), SDO na correcção rápida de hipoNa é um mito!!??, tocilizumab protege de DPI na AR?, VSR bem mais grave que influenza, ECAs citam mais RS mas ainda insuficientemente, valores e preferência dos doentes hemodialisados
☝ Opiniões
Amiloidose cardíaca e dificuldade diagnóstica, POCUS na abordagem da VA, ChatGPT e publicação médica
🌎FOAMed
Profilaxia de TEV pós-prótese e POCUS na Doença Biliar
REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs
Doente crítico/urgente
18 ECA, n=21.594, adultos com PCR-EH não-traumática, medicação IV vs placebo
P - PCR-EH
I - Adrenalina durante PCR-EH
C - Placebo ou Nada
O - Sobrevivência até admissão, sobrevivência até alta e funcionalidade neurológica
O tema da adrenalina nas PCR é um tema já de controvérsia de longa-data. Tanto o PARAMEDIC-2 de 2018 como uma RS de ECAs de 2019 concluíram que havia redução de mortalidade e aumento de retorno espontâneo de circulação mas sem melhoria comprovada de desfechos neurológicos e outros funcionais favoráveis. Ou seja, parece que estamos a ressuscitar mais doentes mas sem necessariamente melhores desfechos funcionais (se isso é bom ou não, já é uma discussão ética na qual não queria aqui entrar). O que nos acrescenta esta RS publicada na CHEST?
--> Mantém-se a melhoria apenas no aumento de sobrevivência e de retorno de circulação, sem melhoria funcional
--> Sem melhoria com doses superiores (5mg! nunca tinha ouvido falar desta dose abismal) ou vasopressina (what??)
--> Melhoria de mortalidade apenas nos ritmos não-desfibrilháveis (IMPORTANTE)
Conclusão: No mínimo, desencoraja fortemente o uso de doses cavalares de adrenalina e de vasopressina. Também desencoraja usar adrenalina nos ritmos desfibrilháveis, pelo menos antes de tentar o choque. Em última instância, abre o debate do aumento de sobrevivência sem melhores desfechos funcionais.
Eu diria que dependerá muito do desfecho funcional em si, o que dependerá também da funcionalidade basal do doente. Importante fazer essa prognosticação rapidamente. Mas mesmo que o potencial de funcionalidade seja muito pior, quem somos nós para decidir pelos doentes o que será a sua visão pessoal uma boa funcionalidade futura ou que margem de risco escolher?
9 ECAs e n=953, PRISMA, pesquisa em MEDLINE, Embase e Cochrane, 2022
P - Pancreatite Aguda
I - Hidratação EV agressivíssima
C - Hidratação EV não-agressívíssima
O 1º » PIOR Mortalidade se PA Grave
2º » Tendência para piores desfechos secundários
RS de ECAs com critérios de inclusão bastante alargados para todos os doentes com pancreatite aguda mas seleccionando aqueles com hidratação agressiva (podem ver a definição que usaram, mas digo-vos que é mesmo muito agressiva -> mínimo de 6L/d). Essa hidratação agressiva aumentou a mortalidade na pancreatite aguda grave - RR 2.45 (IC 95% 1.37, 4.40) - enquanto que na pancreatite aguda não-grave o efeito é mais incerto pois intervalo de confiança é largo - RR 2.26 (IC 95% 0.54, 9.44). Mas atentem o maior ECA nesta população menos grave, o famoso WATERFALL do grupo espanhol publicado no NEJM no ano passado, em que a estimativa pontual parece estar a dizer-nos que há mesmo mais mortalidade mas difícil de provar com um IC tão grande (um ECA maior talvez chegasse mesmo a ser estatisticamente significativo). A hidratação agressiva também piorou o APACHE II na pancreatite grave e não resultou em melhoria clínica na não-grave. Para finalizar, em ambos os espectros de gravidade causou mais complicações relacionadas com sobrecarga hídrica. Os resultados não espantarão ninguém mais familiarizada com a literatura e discussão recentes dos malefícios da medicina hiperfluidocêntrica, sobretudo em doentes específicos como os com pancreatite aguda (mais probabilidade de extravasão e edema intersticial), mas é sempre bom ter prova científica de comprovação. Não mudará muito a prática de quem não usa aquelas doses cavalares de fluidos, mas temo que ainda haja muita "sala de urgência de chuto" a praticar o "fluido na veia".
Conclusão: Hidratação ultra-agressiva (entre 6 a 15 litros nas primeiras 24 horas) aumenta a mortalidade na pancreatite grave, pode aumentar mortalidade na pancreatite não-grave e aumenta complicações de sobrecarga em ambas.
Geral, Geriatria & Paliativos
98 ECAs, n=15.134 adultos, 69 diferentes fármacos / combinações, Medline / Embase / CINAHL / CENTRAL / CT.gov
P - Adultos com dor lombar aguda não-específica
I - Medicamentos analgésicos
C - Placebo ou Nenhum
O 1º » Muito-baixa a baixa certeza sobre melhor efectividade de alguns fármacos
» Muito-baixa a moderada certeza sobre a pior segurança de alguns fármacos, especialmente tramadol
Comentário: A grande conclusão é a de que não conseguimos fazer grandes conclusões dada a grande ausência de ensaios com comparação activa. Sou uma pessoa pouca dada a imposições no geral, mas nesta área da regulação medicamentosa cada vez acho mais que as agências deveriam ter um papel mais activo na imposição de ensaios de qualidade para garantir a aprovação ou continuidade de aprovação de um fármaco. Se a sua aprovação já implica uma aprovação da agência, porque não o fazemos com uma maior exigência?? A bem da verdade, até acho que o INFARMED já tem um papel bem positivo na sua avaliação e autorização com base no valor terapêutico acrescentado, mas, ainda assim, acho que podíamos fazer mais. Devaneios à parte, quero realçar (mais uma vez para quem me conhece) o lobo com pele de cordeiro que é o tramadol e as suas combinações com paracetamol. Caso desconfiem, abram o artigo, leiam e vejam o funnel plot. Spoiler: tramadol na pole position do malefício.
Conclusão: Qualquer comparação inter-medicamentosa no tratamento da lombalgia é incerta...mas cuidado com i) a certeza per se que colocamos na eficácia analgésica e com ii) tramadol
Meta-investigação & MBE
143 ECAs (endpoints: OS + surrogates), n=75.601 (neo prostática avançada: adenopatias +- metástases)
Relevante e transversal a várias áreas da medicina. Nesta vastíssima amostra de ECAs, nenhum dos 4 desfechos clínicos intermédios (intermediate clinical endpoints) demonstrou ser um bom substituto (surrogate) da sobrevida geral! Esses desfechos escolhidos foram falência bioquímica, sobrevivência livre de falência bioquímica, falência clínica e sobrevivência livre de progressão, usados muito frequentemente como substituto de SG (sobretudo o último). O mesmo aconteceu para os desfechos com componentes imagiológicos: maus substitutos. Ou seja, pode haver discussão sobre situações em que esses desfechos intermédios poderão ser melhor que nada, mas é muuuuito discutível usá-los como substituto de "menos mortalidade", coisa que vemos demasiado (está estudado). Basta vermos, por exemplo, o NEJM desta semana para vermos como o PFS é quase sempre enfiado no desfecho primário.
ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS
Cardiovascular
Ambulatory Decision Support Tools to Improve Heart Failure Care - BETTER CARE_HF | JACC
n=2.211, em aglomerados e pragmático, 60 clínicas de cardiologia de Nova Iorque, 2022
P - Adultos em clínica de cardiologia + FEVE<40% + excluídos se C. I. para ARM
I1 - Mensagem durante encontro com doente candidato a ARM
I2 - Mensagens mensais sobre doentes candidatos a ARM
C - Habitual
O 1º » MAIS novas prescrições de ARM - 29.6 vs 15.6 vs 11.7 %
2º » Maior probabilidade de ARM após 30d
» Mais hiperK (K>4.9) mas igual hiperK grave (K>5.4)
Comentário: Neste ECA vemos provada que, numa população em que o habitual é uma grande insuficiência de prescrição de antagonistas dos receptores de mineralocorticóides (10% apenas dos ICFEr??? não é nada do que vejo em Portugal, mas confesso que a minha amostra é muito seleccionada para doentes com os 4 pilares ou pelo menos a maioria dos 4), mensagens a avisar elegibilidade para esse medicamento aumentaram a prescrição para mais do dobro. Tenho pena de não termos medição de desfechos orientados para o doente, acho que seria possível poder suficiente nesta amostra de 60 clínicas. Em última instância, os ARM já demonstraram melhor substancialmente esses desfechos incluindo mortalidade (!), vide RALES.
Conclusão: Numa população de doentes com ICFEr e grande insuficiência de prescrição de ARM - apenas 1 em cada 10 - mensagens electrónicas a avisar os cardiologistas para essa elegibilidade mais que duplicaram a prescrição.
Doente crítico/urgente
n=3038 (3044 inicial), não-oculto, 61 UCIs francesas, 2018-2020
P - Adultos c/ VM + Vasopressores + Nutrição precoce (<24h)
I - Nutrição baixíssima-caloria - 6 kcal/kg/d e 0.2–0.4g/kg/d proteína
C - Nutrição habitual - 25 kcal/kg/d e 1.0-1.3 g/kg/d proteína
O 1º » IGUAL mortalidade
» MAIOR capacidade para alta - após 8 vs 9 dias
2º » Menos dias até desmame de VM - 5 vs 6 d
» Iguais dias até desmame vasopressor - 3d
» Iguais infecções
» Atingido alvo de calorias e proteína » Mais alimentação puramente entérica? - 62 vs 56 %, HR? IC? p-value?
» Menos vómitos, procinéticos, diarreia, necessidade de insulina e hipoPO
» Menos pronação
Comentário:
ECA de larga amostra a favorecer tendencialmente iniciar dieta com calorias e teor proteico reduzido, apesar de, caso queiramos ser rigorosos, foi um ensaio negativo para metade do desfecho primário e positivo para a outra metade (é o problema de se usar desfechos primários duplos). Parece realmente haver sinal para melhoria se tivermos calma com a dieta, mas reparem que as baixa-caloria e baixa-proteína foram na verdade baixíssimas. Parecem-me haver alguns pormenores que limitam a aplicabilidade: i) a norma orientadora da ESPEN e o IBCC já defendem começar com uma dieta abaixo do alvo final e ir subindo gradualmente, sobretudo na fase hiperaguda, mas ii) nunca com um teor tão baixo de calorias e proteínas ; iii) o benefício em menos dias de UCI pode ter estado relacionado com maior grau de alimentação entérica, sobretudo porque foi uma diferença de apenas 1 dia (já agora, porque não fizeram análise estatística? usei uma calculadora online básica e obtive uma diferença estatisticamente significativa...estranho não o terem feito, talvez hajam razões técnicas que desconheço). Resumindo, parece-me que o ECA apoia a recomendação vigente de se começar a dieta com calma, mas não acho que tenha obrigatoriamente de ser com dose tão reduzida.
Conclusão: Numa população de UCI de adultos ventilados com vasopressores que iniciaram nutrição precoce, uma estratégia de baíxissimo teor de calorias e proteínas parece reduzir estadia em UCI quando comparado com uma estratégia (não-recomendada) de começar precocemente com teor final de calorias e proteínas.
Gastroenterologia & Hepatologia
O tema NASH é um que não me suscita particular interesse (sem querer ofender ninguém) e até ainda hoje ainda me custa a encontrar utilidade no próprio conceito em si enquanto alvo terapêutico. Daí que não me espantou que o semaglutido não tenha sido eficaz em "curar" fibrose. Resolvi mencionar isto porque há por aí alguma literatura com prova de má qualidade que os aGLP1 melhoram características de substituição bioquímicas. Aqui, nem isso.
Imuno-mediadas
n=102, ocultação quádrupla, 34 centros na América do Norte e Europa, 2016-2021
P - CU + Pouchite crónica após anastomose íleo-anal
I - Vedolizumab
C - Placebo
*ciprofloxacina 1-4S em ambos
O 1º » MAIOR remissão às 14S (mPDAI) - 31 vs 10 % (p=0.01)
O 2º » Melhoria equivalente nos desfechos secundários de remissão e resposta às 14S e 32S
» Iguais EAs
Comentário: Okay, bom saber que vedolizumab funciona quando adicionado a ciprofloxacina. Mas agora resta saber como funciona comparado com mesalamina, corticóides ou outros biológicos (a insuficiência crónica nestes ensaios...).
Conclusão: Vedolizumab melhora a remissão da bolsite crónica quando adicionado a ciprofloxacina, mas é incerto como se compara com outros agentes de 2ª-linha
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=334, não-oculto, 23 centros em França, 2021-2022
P - Pneumonia COVID-19 hipoxémica (vários critérios de exclusão)
I1 - AC prof. baixa-dose c/ tirzeparina 3500UI/d
I2 - AC prof. alta-dose c/ tirzeparina 7000 UI/d
I3 - AC terapêutica - 175UI*kg/d
O 1º » IGUAL morte ou nº de dias até melhoria
O 2º » Igual morte, tempo até melhoria, internamento geral, internamento UCI,...
» Igual necessidade de oxigénio, vasopressores, SOFA e d-dímeros
» Menos trombose venosa e trombose arterial pulmonar em I1 vs I2 e I1 vs I3
» Igual hemorragia
Comentário: Malta, isto é um ensaio negativo! A hipótese primária de superioridade das intervenções contemplada no desfecho primário não se verificou, pelo que essa superioridade não existe, é negativa. Acham que sou eu aqui a ser chatamente embirrante? Ora vejamos o que os autores escreveram no resumo do Clinical Trials: "Our hypothesis is dual: i) first, that TA and HD-PA strategies mitigate microthrombosis and each limit the progression of COVID-19, including respiratory failure and multi-organ dysfunction, with in fine a decreased mortality and duration of disease, as compared to a low-dose PA; ii) second, that TA outperforms HD-PA in this setting.". Ou seja, eles quiseram provar que i) a AC prof. alta-dose e terapêutica reduziria ins. respiratória, disf. multi-orgânica e mortalidade e ii) que AC terapêutica era superior a elevada-dose e nenhuma das duas se concretizou. Lendo o artigo do JAMA, vemos que foi acrescentada a derradeira e última frase "however, HD-PA resulted in significantly better net clinical outcome by decreasing the risk of de novo thrombosis." Okay, sejamos justos e apliquemos a presunção de inocência. Que net clinical outcome é esse? Vejamos no Clinical Trials. No protocolo original não temos esse net clinical outcome...
Hmm...mas espera! Depois de uma adenda em Setembro de 2022 (bem depois do término do estudo primário em Março de 2022) voilà, já lemos o desfecho secundário "net clinical benefit of anticoagulation assessed by the absence of thrombotic event, major bleeding event, Heparin Induced Thrombocytopenia and all-cause death" destacado como o 1º desfecho secundário de uma lista de 19 desfechos. Enfim, acho que não preciso de dizer mais nada. Tirem as vossas conclusões. Pista 1 - O resumo desse desfecho pomposo é que apenas foram reduzidas tromboses sem tradução clínica ; Pista 2 - spin, spin, spin, COVID-19, spin, spin, spin.
Pneumologia
n=425, ocultação dupla (ou tripla?), 10 centros no Reino-Unido, 32 semanas se seguimento, 2015-2020
P - Adulto c/ asma descontrolada: GCT dose-elevada + ACT<20 + >0 exacerbações graves/último ano
I - Controlo da aderência e técnica inalatória DIGITAL (aparelho INCA)
C - Controlo da aderência e técnica inalatória "HABITUAL" (educação médica + consultas especializadas)
O 1º original » MAIOR aderência entre 20S e 32S - 65 vs 56 %
O 1º actual » MENOR necessidade de incremento terapêutico - 14 vs 32 %
2º » Menos terapia biológica - 11 vs 21 %
» Menos aumento de dose de fluticasona IN - 16 vs 44 %
» Igual exacerbações, função pulmonar, FeNO, ...
» Mais EAs graves numericamente? - 55 vs 45 % (nenhum EAs grave conectado com terapêutica)
Comentário: Este ECA é meio bizarro. Os métodos descritos no Clinical Trials não são totalmente compatíveis com o que foi reportado no artigo, começando pela muita relevante mudança do desfecho primário. Mas o meu grande problema nem é esse (e já acho que esse é um problema relevante). O meu maior problema na interpretação é que a intervenção cumpriu o objectivo a que se propôs, aumentou aderência e reduziu incremento terapêutico desnecessário, sem diminuir os EAs (até parece que aumentou...) e sem diminuir exacerbações e função pulmonar (estes dois últimos nem foram mencionados no resumo...). Acho que as ferramentas digitais nos podem ajudar sobretudo na eficiência com que fazemos as coisas. Mas temos de ter cuidado com o que queremos provar pois podemos dar por nós entre a espada da prova insuficiente e a parede do beco do milagre digital onde nos metemos.
Conclusão: Utilização de um inalador digital chamado INCA aumentou a adesão e preveniu incrementos terapêuticos sem ter melhorado desfechos orientados ao doente.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS
REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)
Dermatologia
7 estudos, n=858
Estudo que não abona nada a favor da nossa capacidade diagnóstica e de como ele está a evoluir no tempo. Diagnóstico inicial de celulite falhou em cerca de 40% dos casos (depois de avaliados por especialista em ~24h), sendo que os dois estudos mais recentes já realizados nesta década observaram o ainda pior número de 60%. Desses diagnósticos errados, apenas 1/3 eram infecções que não celulite, o que só continua a priorar a fotografia. Estudos observacionais e com limitações como sem ocultação, mas reflecte o que acho que observamos na prática: diagnosticamos mal problemas cutâneos.
Meta-investigação & MBE
12 estudos (9 qualitativos, 3 mistos), PRISMA, pesquisa em Embase, MEDLINE e CINAHL, 2022
Desta RS resultaram quatro tópicos de desafios na decisão partilhada:
Distribuição bimodal de preferência de doentes (ou aceitam muito bem ou aceitam muito mal)
Ansiedade do médico afectou equipoise (neutralidade) e influência decisões
Médicos têm dificuldade em perceber preferência de doentes
Relação médico-doente e apoio psicossocial cruciais mas frequentemente ignorados
Estudo muuuuito relevante, muito fora do âmbito do carcinoma da tiróide. Todos os médicos que participam em decisões médicas deveriam ser exímios nesta parte, a parte de tomar a melhor decisão para o doente. Mas estamos a falhar, não nos enganemos. Passámos os dias na faculdade a estudar a anatomia, o ciclo de Krebs, a semiologia, o diagnóstico, etc etc, passamos os dias médicos a ver doentes, ler guidelines e uptodates, prescrever exames e fármacos, mas continuamos a falhar no interpretar o que é que o doente realmente quer. Pausemos. Repensemos.
SUB-ANÁLISES DE ECAs
Cardiovascular
n=1.114, subanálise do EVOLUT aos 3 anos, ECA de NI, TAVI auto-expansionável vs SAVR, idade média 74 anos
Nesta re-análise aos 3 anos, a melhoria no desfecho primário de mortalidade total e AVC manteve-se favorável para o braço de TAVI. É relevante pois na re-análise da TAVI expansível com balão aos 2 anos o benefício extinguiu-se. No entanto, continua a observar-se um agravamento substancial da IA paravalvular ligeira (felizmente não da grave) e, mais relevante, da inserção de pacemaker. Cada um interpretará isto de forma diferente, mas diria que, no mínimo, não devemos ignorar o potencial malefício a longo-prazo de mais IA ligeira que se pode converte em grave e mais PM, com incertezas face à diminuição de mortalidade isoladamente e às sequelas clinicamente relevantes do AVC.
COORTE E CASO-CONTROLO
Cardiovascular
n=34.826, análise retrospectiva do programa ESCAPE-NET 2020 (registos de Paris, Amsterdão e Suécia) 2006-2017
Registo gigante e multicêntrico (europeu) observou que mulheres têm muito menos risco de PCR súbita relacionada com desporto. Parece ir no sentido de outros dados como mulheres terem menos FA por desporto e menos aumento de RCV com a idade.
n=2.547, análise post-hoc de estudo prospectivo de toracalgia com ECG, multicêntrico na Europa (++Suiça)
Nada surpreendente mas ainda assim relevante: a simples identificação de ondas T hiperagudas não contribuiu para o diagnóstico de EAM. Para quem está mais familiarizado com tema de EAM oclusivo (ou OMI) e equivalentes-STEMI saberá que não basta vermos uma onda T hiperaguda, temos de ver a morfologia, compará-la com o QRS (tanto amplitude como simetria), etc. Talvez mais importante é saber que o universo OMI é maior que o universo STEMI.
Doente crítico/urgente
n=169, estudo retrospectivo num centro académico largo, EUA (Minneapolis)
Sim, é possível atingir o sucesso na 1ª passagem (87%) sem parar as compressões cardíacas, sobretudo se numa população com esta em que se usou muito vídeolaringoscópio e bougie (frova) e em que as entubações foram sempre feitas ou supervisionadas por, pelo menos, internos de 3º ano de emergência com experiência em entubação.
ETCO2 at ED Triage vs Triage Vital Signs in Predicting In-Hospital Mortality and ICU admission | AEM
n=1091 (de 1136), estudo prospectivo em SU de hospital terciário com trauma nível I, EUA (Orlando, Florida)
O ETCO2 foi um melhor preditor de mortalidade intra-hospitalar e admissões na UCI que os próprios sinais vitais. Se calhar quem conhecia bem a literatura no tema não fica, mas eu fiquei surpreendido. Uma das coisas mais relevantes nos doentes que vemos no SU é fazer uma prognosticação estimada da gravidade para decidirmos para onde o doente deverá ir (casa, SU para avaliação, internamento geral, internamento em UCI, internamento na unidade de paliativos, ...). Pelos vistos, a capnografia pode nos ajudar nessa construção mental, sendo que o discriminador aqui identificado para mortalidade. foi 34 (sobreviventes) vs 22 (não-sobreviventes)
n~88.275 (86k sem vs 2k com), emulação de ensaio com base em coorte retrospectivo dos EUA, 2016-2020
Neste estudo retrospectivo observou-se menos mortalidade nos (reduzidíssimos) doentes com fludrocortisona + hidrocortisona. Acho que é uma comparação desequilibrada e seleccionada e eu desconfio bastante de ilações daqui. Apenas resolvi trazer para avisar que se começarem a ouvir argumentos neste sentido, saibam que já temos dados melhores (de ECAs). O Farkas resume bem:
Endocrinologia
n=22.858, coorte retrospectiva de 5 hospitais académicos em Toronto, 2010-2020
Wooow! Que trabalho de colheita impressionante. Este estudo é relevantíssimo porque foi o primeiro a decidir estudar a sério a associação entre corecção rápida de hiponatrémia e síndrome de desmielinização osmótica, uma entidade muito temida mas talvez muito menos relevante do que se acha. Esse talvez torna-se agora uma possibilidade muito maior, já que destes quase 30.000 doentes internados com hiponatrémia (<130mmol/L) à admissão no SU, apenas 12 (0.05%) tiveram SDO!! E isto mesmo quando a percentagem de correcção rápida (>8mmol/L em 24h) foi muito maior (17%). Mais, a maioria das SDO nem sequer teve correcção rápida (apenas em 42%). Okay, estudo observacional, com algumas limitações como viés de selecção...mas há algo inegável aqui, que a percentagem de SDO é infimamente menor que de correcção rápida. Será que isto será suficiente para mudar a prática? Pelo menos reconfortará muitos dos médicos que se deparam com subidas rápidas de sódio de doentes como estes.
Imuno-mediadas
n=28.559, coorte retrospectiva, 2003-2019, EUA (California)
Nesta coorte de doentes com AR com tratamento há >1 ano e sem DPI à data, em que a exposição estudada foi tratamento com adalimumab, abatacept, rituximab, tocilizumab ou tofacitinib (distribuição equilibrada destes 5), observou-se que tofacitinib parece associado a menos DPI nesta população. Acho que os autores são cuidadosos em dizer que é apenas gerador de hipóteses, mas é uma boa hipótese para ser estudada em ensaio.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=11.131, estudo prospectivo HAIVEN, multicêntrico nos EUA, 2016-2019
Neste estudo gigante, prospectivo e multicêntrico, observamos que as pneumonias por RSV, apesar de mais raras que as por influenza (5 vs 18 %), são mais graves, incluindo maior gravidade cardiovascular. Tendo em conta que já sabemos pelos vários ECAs que as vacinas anti-influenza protegem sobretudo os doentes com morbilidade cardiovascular, acho que podemos inferir que o mesmo acontecerá com o RSV e talvez com maior magnitude. Como estamos na eminência de saber resultados de fase 3 das vacinas anti-RSV, é importante termos estes dados.
Meta-investigação & MBE
n=4003 ECAs, estudo transversal, 2007-2021
Quantidade de ECAs a citar RS aumentou de 36% para 72% de 2007 para 2020, aumento anual de 3%. Não sei se isto é uma boa substituição (surrogate) pois existem RS muito limitadas. Melhores substitutos seriam RS apenas de ECAs e respectiva significância estatística, heterogeneidade, viés dos estudos incluidos e certeza da recomendação, por exemplo. No entanto, diria que a sua presença é globalmente melhor que ausência. Surpreendentemente ou não, a citação de RS é menor se ECAs<100 doentes, financiados pela indústria ou de países de menor rendimento.
SÉRIES E CASOS
Cardiovascular
Padrão de Brugada induzido por hiperK.
Ausência de onda P pode ser a chave no ECG. História também (tumor -> hiperK por síndrome de lise tumoral?).
Cirurgia, Ortopedia & MFR
Dermatologia
Doenças Raras
Confesso que não sei como teria lidado com esta marcha diagnóstico. Talvez se soubesse dos sintomas da irmã ter-me-iam soado algumas luzes internas, mas fica o alerta.
Endocrinologia
Bullosis diabeticorum: Bolhas distais indolores e em pele não-inflamada em DM de longa-data
Pistas:
Dermatite com hiperpigmentação crónica
Sem inflamação aguda - Sem benefício com ABT
Bolhas únicas em sítio localizado, geralmente acrais (vs penfigóide) - Sem benefício com GCT
Pensos +- aspirar bolha com agulha fina
Neurologia
Uma síndrome rara e engraçada.
INQUÉRITOS
Nefrologia
n=933, doentes em diálise em 2 cidades dos EUA (Seattle e Nashville), 2015-2018
Cerca de metade dos doentes achou que qualidade de vida é mais importante que longevidade, apesar de isso não se traduzir em vontade de mais planos avançados de cuidados e directrizes antecipadas de vida. Acho que este inquérito reflecte que i) há uma grande quantidade de doentes dialisados que talvez prefira maior conforto, ii) nós somos ineficientes em transmitir como é que se pode viver com conforto e como podemos actuar medicamente nesse sentido e iii) decisões como esta não são fáceis e serão sempre decididas caso a caso.
OPINIÃO
REVISÃO NARRATIVA
Cardiovascular
Revisão sobre este tema difícil. Difícil porque diria que a maioria das amiloidoses cardíacas que chegamos a diagnosticar já se encontram no limbo entre o "vale a pena tratar ou não vale a pena tratar" pela esperança média de vida habitualmente limitada nessa altura. No entanto, já temos um medicamento que, apesar de caro (um dos se não o mais caro medicamento da cardiologia), parece que aumenta a sobrevida se iniciada precocemente (como quem diz aos ~75 anos) segundo o ATTR-ACT. Spoiler: saio mais informado mas como as mesmas dúvidas diagnósticas.
Doente crítico/urgente
Role of Point-of-Care Ultrasound in Emergency Airway Management Outside the Operating Room | Analgesia
Revisão feita por anestesistas a argumentar a vantagem de se usar POCUS na peri-entubação das PCR, não só cardíaco e pulmonar mas também gástrico, epiglótico e supraesternal.
PERSPECTIVA
Meta-investigação & MBE
FOAMed
Cirurgia, Ortopedia & MFR
Muito bom resumo. Minha opção favorita por enquanto caso optemos por profilaxia:
1os 5d de NOAC (rivaroxabano foi o estudado mas não vejo razão contra edoxabano ou apixabano)
AAS restante tempo (total: 14d se PTJ e 35d se PTA)
Técnicas, POCUS, Exames & Outros
Em doentes não-ictéricos JÁ COM SUSPEITA de doença biliar aguda, utilização de POCUS foi equiparável a ecografia formal. Há nunances, mas é um estudo globalmente bem pensado e realizado. Leiam para uma grande análise.
ARA - Aumento de Risco Absoluto | ECA - Ensaio clínico aleatorizado | ITA - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática
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