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TABELA DE CONTEÚDOS
SINOPSE
🎂 Nata da nata
- Depressão moderada/grave --> Intervenções à base de aplicações digitais eficazes
🍰 Nata
- Pós-EAM e disf. sistólica --> Dapagliflozina não eficaz em desfechos cardiovasculares (DAPA-MI, NEJM-EVIDENCE)
- Idosos c/ risco para demência --> Treino de saúde com eventual melhoria...mas mais EAs (SMARRT, JAMA IntMed)
- Carcinoma nasofaríngeo avançado --> Toripalimab (iPD1) + G-C vs só G-C melhorou SV geral (JUPITER-02, JAMA)
🧐 Observações
- Revisões sistemáticas: HTA, AMPA e análise e económica
- Primários: NOACs e risco/benefício consoante dose | Troponina de alta sensibilidade e TEP | DPOC avançada e expectativas dos doentes | Candidíase invasiva e rezafungina
- Casos e séries: Embolia gasosa e abordagem | Ciclossilicato de zircónio sódico e imagem de TC | Síndrome Loeys-Dietz e variantes | Arterite de células gigantes e complicações isquémcias | Febre da mordidela de rato (2 casos) | AVCs criptogénicos múltiplos e PTT
☝ Opiniões
- Revisão narrativa: Definição de "evidence"
- Perspectiva: Prevenção cardiovascular primária e nuances
🌎FOAMed
Pacemaker e DCI (CoreIM) | Doppler da veia femoral (pulsatilidade) e insuficiência cardíaca (US Gel) | Os fungos estão no meio de nós (Curbsiders)
REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs
Psiquiatria
13 ECAs / n=1470, Pubmed/Embase/PsycINFO, <01/2023
P - Depressão moderada-grave
I - Intervenções que usaram aplicações digitais
C - Activo ou Inactivo
O 1º » MENOR gravidade da depressão (activo ou inactivo) - overall pooled effect 0.50 (0.40-0.61)
2º » Melhor magnitude nas comparação app-controlo vs nãoapp-controlo - dif. média 0.45 vs 0.71
Comentário: Nada de muito a dizer. Se a teconologia avança, que nos sirva e ajude.
Conclusão: Intervenções baseadas em aplicação digital eficazes na depressão moderada a grave.
ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS
Cardiovascular
n=4.017, duplamente-oculto, 103 centros na Suécia e Reino Unido, 2020-2023
P - Pós-EAM e disfunção sistólica + Sem DM2/IC prévios
Características basais: ~63A | Peso ~85kg | FEj<50% ~80% | Maioria STEMI | TMP em >90%
I - Dapagliflozina 10mg qd
C - Placebo
O 1º » Melhor outcome composto hierárquico* - win ratio 1.34 (1.2-1.5), p<.001
*Morte, hospitalização por IC, EAM não-fatal, FA/FlA, DM2, NYHA, Menos peso>5%
Melhor perda de peso >5% e DM2 | Iguais morte, hospitalização por IC, EAM não-fatal, FA/FlA
2º » Igual tempo até mortalidade cardiovascular / hospitalização por insuficiência cardíaca
» Iguais desfechos cardiovasculares
» Iguais EAs
Comentário: Ora aí está mais um ensaio onde as nuances importam. O win ratio é um método estatístico em voga no momento que, embora sendo eu um muito amador interpretador de estatística, serve para tentar usar vários desfechos no mesmo desfecho primário, o chamado "desfecho composto", de forma hierarquizada. Isto é uma boa ideia de base, pois, classicamente, os desfechos compostos são criticados (e bem, a meu ver) por incluirem alhos e bugalhos no mesmo desfecho. Este win ratio emparelha cada doente dos 2 braços de intervenção e vai fazendo uma espécie de competição entre estes, do desfecho mais acima na hierarquia para o mais abaixo. Se não houver diferença no primeiro desfecho (neste caso, mortalidade), passa para o segundo, e por aí fora. É uma ideia interessante, mas difícil de aplicá-la clinicamente. Eu que sou uma pessoa simples e clássica, prefiro um desfecho primário simples e forte como mortalidade, segurança ou qualidade de vida e todos os outros desfechos secundários estudados na sua gaveta, cabendo depois a nós, médicos, decidir que desfechos queremos priveligiar. E este ensaio vai de encontro a esta minha preferência. Ficamos com um ECA aparentemente positivo, mas apenas à custa de "desfechos metabólicos", como dizem os autores. De tudo o que mais importa de cardiovascular, nicles. Perder peso e ter menos diabetes é importante, mas mesmo em relação à diabetes vejam o gráfico e as curvas de Kaplan-Meier...diferença quase nula e tendencialmente próxima de 0. Posto isto, não sei bem em que pé fico. Num doente com disfunção sistólica pós-EAM, será para começar logo a correr iSGLT2 ou não? Talvez num com FEj abaixo de 40% sim...mas mesmo nestes fico com dúvidas a que este ensaio não responde satisfatoriamente. Para acabar, é por estas e outras que tanto gosto de analisar e comentar ensaios e ciência: apesar de muitos médicos acharem que sim, a ciência e a prova não são lineares. O mundo é bué cenas.
Conclusão: Dapagliflozina no pós-EAM com (maioritariamente) disfunção sistólica e TMP optimizado não foi eficaz em melhorar mortalidade e desfechos cardiovasculares, contribuindo apenas para perda de peso e discreto menor DM2.
Neurologia
n=172 (de 3.017), não-oculto e não-multicêntrico, Califórnia, 2018-2022
P - Adultos 70-89 anos + => 2 riscos para demência* + participação em rastreio telefónico + sem demência
*1) sedentarismo 2) HTA descontrolada 3) DM2 descontrolada 4) tabagismo 5) má higiene de sono 6) depressão 7) isolamento social 8) fármacos que afectam cognição
I - "Treinador de saúde" (psicólogo / assistente social c/ treino em entrevista motivacional, 30-45min a cada 4-6 semanas, manual e exercícios dados)
C - Habitual
O 1º » MELHOR prevenção de declínio cognitivo após 2 anos - melhoria em escalas...clinicamente significativo?
2º » Melhoria em desfechos secundários - outras escalas, qualidade de vida, ...
» Mais EAs relacionados com intervenção - 14 vs 0 (++ dor musculoesquelética) | Iguais EAs graves
Comentário: Ideia parece boa...mas é sempre difícil de confiar plenamente em melhorias escalas que não conhecemos e cuja magnitude de mudança não nos parece substancial e/ou não dominamos. Neste caso, pareceu haver melhoria neurocognitiva com este treino de saúde. No entanto, aumento de eventos adversos. Porquê? Participantes mais atentos e com extrapolação de sensações para sintomas, ou seja, efeito nocebo? Tendo em conta que foi na maioria dor músculo-esquelética e ansiedade, diria que sim. Por tudo isto, não sei se acabamos com um ensaio mais negativo que positivo, pois os desfechos mais objectivos e orientados aos doentes até pioraram.
Conclusão: Treino de saúde em idosos sem demência mas com 2 a 8 factores de risco levou a melhoria neurocognitiva mas à custa de possível aumento de eventos adversos.
Oncologia
n=289, não-oculto, 35 centros de China, Taiwan e Singapura, 2018-2019
P - Carcinoma nasofaríngeo recorrente ou mestatizado + Sem QT prévia para recorrência / metastização
I - Toripalimab* + Gemcitabina-cisplatina
*inibidor PD-1
C - Placebo + Gemcitabina-cisplatina
O 1º » MELHOR sobrevida livre-de-progressão - 21 vs 8 meses
2º » Melhor sobrevida geral média - não-atingida vs 34 meses, HR 0.63 (0.45-0.89), p=.008
Melhor % de sobrevida a 1A - 91 vs 87 % | Melhor sobrevida a 2A 78 vs 65 % | Melhor sobrevida a 3A - 65 vs 49 %
*melhoria em todos subgrupos de expressão de PD-L1 e cópias de ADN-EBV
» Iguais EAs totais | Iguais EAs graves (EAs sobretudo por QT)
» Mais hipotiroidismo, infecção respiratória e fenómenos imuno-mediados
Comentário: É sempre de enaltecer ECAs na oncologia com fármacos a demonstrar melhoria na sobrevida. Neste caso, parece-me que a melhoria é evidente. Um dos grandes problemas destes ECAs com regimes complexos - paradigmático da oncologia e doenças imuno-mediadas - é que os regimos são complexos e (para quem, como eu, não é especialista na área) ficamos sempre na dúvida se a intervenção no grupo de controlo é subóptima ou não. Acreditando que não, fico muito satisfeito com melhor sobrevida geral sem aumento de eventos adversos! Como nota final, só me interrogo pelo porquê toripalimab e não um dos outros inibidores PD-1 mais habituais...este será provavelmente mais caro e isso é precisamente um dos outros problemas da prova científica na oncologia, a utilização de várias gerações do mesmo fármaco com incrementos de preço ad eternum.
Conclusão: Toripalimab, inibidor PD-1, aumentou a sobrevida geral sem aumentar eventos adversos quando adicionado a gemcitabina-cisplatina (esquema de 1ª-linha) no carcinoma nasofaríngeo avançado.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS
REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)
Cardiovascular
n=16 estudos / 7 ECAs / 80% EUA e RU / perspectiva societal na maioria, PRISMA / várias bases de dados, <09/2022
Confirma-se que a AMPA - auto-monitorização da pressão arterial - é uma forma eficaz e custo-efectiva de seguimento de doentes com HTA, quando comparado com clínica. Nada que espante, reforça a prática mais recomendada.
PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS
Cardiovascular
n=21.878 residentes em lar (32.540 rastreados), coorte retrospectiva, base de dados Medicare dos EUA, 2013-2017
Identificados os adultos com 65 ou mais anos residentes em lar nos EUA há pelo menos 100 dias e com diagnóstico de FA não-valvular, que faziam os NOACs apixabano, rivaroxabano e dabigatrano (edoxabano excluido pois apenas em <1%). Excluídos todos os com cancro activo, TVP/TEP, prótese mecânica ou artroplastia, além de excluídos os que não tinham informação de altura, peso e funcionalidade. Observou-se associação a maior risco hemorrágico com dose normal (HR 1.18), sobretudo se mais de 80 anos e magros, e eficácia equivalente (mortalidade exactamente igual e eventual tendência numérica mas não significativa para menos trombose).
n=834, subanálise post-hoc do ECA PROTECT, TnI convencional vs alta-sensibilidade, Espanha, 2022
Na avaliação de doentes com TEP e hemodinamicamente estáveis, a troponina de alta-sensibilidade não foi superior à convencional (e até talvez inferior para detectar casos complicados).
Geral, Geriatria & Paliativos
Expected Symptoms and Subsequent Quality of Life Measures Among Adults With COPD | JAMA Network Open
n=207, coorte prospectiva, STROBE, EUA (Pensilvânia), 2017-2021
Ora aí está uma coisa fulcral com que temos de lidar diariamente, e muitas vezes talvez não da melhor forma: a gestão das expectativas. Neste caso de doentes com DPOC avançada, expectativas erradas por sobreoptimismo associaram-se de forma independente a piores desfechos a longo-prazo de qualidade de vida.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=294 em mITT (139 rezafungina vs 155 caspofungina), análise dos 2 ECAs "STRIVE" (2021) e "ReSTORE" (2023)
Não é novo, mas análise focada na comparação conjunta dos 2 ECAs que compararam a rezafungina (equinocandina de administração semanal e com teórico melhor perfil farmacocinético) com a caspofungina observa que a primeira é não-inferior no que toca a mortalidade e segurança (parecendo até haver tendência numérica para maior segurança, mas tenho dúvidas pelo menor número de doentes no grupo deste fármaco) e até superior na clearance precoce da bacteriémia. Não sabemos se existe vantagem clinicamente relevante desta clearance mais rápida.
CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS
Cardiovascular
Apesar de raríssimo, embolia gasosa pode ser uma preocupação. Neste caso, após administração de contraste. A abordagem consiste em decúbito lateral esquerdo e Trendelenburg, oxigenoterapia com FiO2 100% e oxigénio hiperbárico. Caso não haja câmara hiperbárica e/ou se disfunção hemodinâmica, chamar um cirurgião vascular
Diagnóstico e Raciocínio Clínico
Em primeiro lugar, como assim um artigo científico publicado no Annals of Internal Medicine se refira a um fármaco em todas as referências pelo seu nome comercial?? Posto isto, atenção aos doentes a fazer ciclossilicato de zircónio sódico (o tal "lokelma") que vão para a sala de TC, pois este fármaco é rádiopaco e pode interferir com o exame.
Geral, Geriatria & Paliativos
O síndrome de Loyes-Dietz tem 5 variantes "espectrais", sendo que o 1 representa o espectro mais grave do síndrome e o 5 (também chamado síndrome de Rienhoff) o menos grave. Este subtipo menos grave pode ser mais difícil de diagnosticar pela possibilidade manifestação atípica.
Imuno-mediadas
Na arterite de células gigantes podem surgir complicações isquémicas como necrose do couro cabeludo.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Acute Polyarthritis With a Finger Wound: Rat Bite Fever From Streptobacillus moniliformis | Annals of Internal Medicine
A febre da mordidela de rato é uma doença infecciosa sistémica com poliartralgias causada pelos Streptobacillus moniliformis, Streptobacillus notomytis e Spirillum minus, encontrados na nasofarínge de ratos e outros roedores. Micro-organismos difíceis de cultivar e doença rara, pelo que diagnóstico complexo.
Neurologia
Num doente com múltiplos AVCs criptogénicos, sobretudo se alterações hematológicas (i. e. anemia hemolítica e trombocitopénia grave), não esquecer a Púrpura Trombocitopénica Trombótica (PTT). A escala PLASMIC ajuda.
OPINIÃO
REVISÃO NARRATIVA
Meta-investigação & MBE
A definição de "evidence" não é nem fácil nem homogénea. Diverge tanto em áreas - ciências da saúde e ciências sociais - como em autores. Pode parecer insignificante, mas é esta uma peça fundamental para percebermos como pensamos sobre a ciência, os seus fundamentos, limites e aplicações. Diferentes definições podem levar-nos a enquadrar de forma diferente todas estas "arestas" da ciência. Em portugês do nosso Portugal, prefiro "prova" do que "evidência". Teria curiosidade de ver isto discutido na língua anglo-saxónica, pois "evidence" diverge de "evidência".
PERSPECTIVA
Cardiovascular
Why I Changed My Mind About Preventing Heart Disease | Sensible Medicine
Acham que sabem o que é prevenção de doença cardiovascular? Seja qual resposta seja, leiam. Dá que pensar.
FOAMed
Cardiovascular
Boas dicas. Porque pode estar relacionado, é sempre bom rever o diagnóstico de "síncope cardíaca":
Diagnóstico e Raciocínio Clínico
A pulsatilidade da veia femoral associa-se a tamanho da VCI e poderá ser útil na avaliação de IC.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Neurologia
Ler as entrelinhas é diferente de seguir apenas cegamente uma conclusão de um resumo.
ABA - Aumento de Benefício Absoluto | ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática
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